À deriva

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Daniel estava à deriva. Os três próximos anos o tornariam mais duro e triste. Embora sua mãe e seu irmão constantemente tentassem arrumar outro namoro que o devolvesse à alegria de antes. Mas ele não aceitava namorar novamente agora e se resumia apenas a trabalhar na transportadora de dia e levar a vida de forma automática. Felipe, não. Trabalhava de forma alucinada. Ele se acostumou a passar até um mês sem folga. Mas, se havia uma coisa boa nisso, é que em dois anos já exercia um cargo de chefia na empresa. Era bem remunerado e bem sucedido. Todos estavam felizes por ele. A mãe não se cansava de dizer que tivesse oportunidade de que seu pai visse sentiria muito orgulho dos filhos, apesar de Daniel reconhecer que em Felipe sentiria maior orgulho pelo sucesso de seu trabalho. Era tal qual Seu Rodolfo nisso.

Ao fim de 1992 Felipe começou a ir toda semana a São Paulo. Ficara responsável por tentar reerguer uma filial da empresa por lá que estava prestes a falir. A princípio deveria ir duas vezes durante a semana, mas como era de seu feitio, tornou-se obcecado em salvar aquela filial. E quando deu por si, passava até quinze dias enfiado ao escritório. Até que um dia chamou Daniel para conversar, num de seus raros momentos em casa.

Daniel tinha por hábito assentar-se à calçada ao entardecer de onde conseguia ver o sol se pondo ao final da rua. Não pensava em nada, mas aquela meia hora lhe trazia certa paz de espírito.

" E aí Daniel, beleza?"

"Fala magnata! Pensei que você ia trabalhar hoje..."

"Até eu preciso de folga, né..."

Daniel apenas sorriu concordando.

"Daniel, preciso falar com você, cara. E o assunto é sério."

Havia preocupação no semblante de Daniel. Não é difícil nestas horas você criar uma catástrofe na cabeça. Imaginar que ele vai contar que o fim do mundo tem data marcada e ele sabe. Esperou. Ele estava cabisbaixo, como alguém que vai noticiar coisa ruim.

"Cara, eu não sei quais são os seus planos para os próximos anos, mas eu tô me dando muito bem no trabalho. A empresa está me dando uma ótima condição para crescer. E me deu uma ótima oportunidade de provar o meu desempenho quando me chamou a cuidar da filial de São Paulo...

Felipe levantou e ficou de costas para Daniel fazendo um pequeno intervalo de silêncio.

"E eu tô indo quase todo dia pra lá, cara. Tá muito puxado sabe? Primeiro que eu tô gastando muita grana indo e vindo e depois a minha cabeça está toda lá."

Neste momento Daniel já sabia onde aquela conversa os levaria.

"Você precisa se mudar para lá, Felipe." O interrompeu causando o assombro em seu irmão, e continuou:

"Não tenho nenhuma intenção em sair daqui. Depois, preciso cuidar da mãe. Vai, cara. Agarra esta oportunidade. Não deixa passar, não... O pôr-do-sol deste lugar é incomparável, né?"

Felipe sorriu e entendeu o gesto do irmão que pedia para ele se assentar novamente ao seu lado.

Ainda falaram sobre outras coisas banais como antigamente. Riram-se das brincadeiras de criança, da escola, lembraram-se do pai, e foi como uma despedida aquele dia.

Levou mais duas semanas para que ele se mudasse de vez para São Paulo. E o que pensavam trazer um abalo à D. Joana na verdade causou nela um frenesi pela conquista do filho mais velho. Sentia-se eufórica com a ideia de promoção de Felipe e deixava transparecer o orgulho que tinha por ser tão dedicado ao emprego quanto era Seu Rodolfo.

É verdade que no dia em que Felipe saiu com as duas malas com todas as suas roupas de casa foi motivo para ela chorar o dia inteiro. Mas quando tentava consolá-la dizia que chorava de alegria.

E no final das contas Daniel encarou assim também.

7XH


Um Amor ImpossívelOnde histórias criam vida. Descubra agora