Daniel passou aquele dia a lembrar de cada palavra da carta, era quase um bálsamo curador a ser derramado em suas antigas feridas.
Felipe passou a manhã em casa de sua mãe, estava atordoado. À hora do almoço, se levantou para ir embora, mas D. Cícera, que também cozinhava para eles agora, o impediu o ameaçando de morte caso ele fizesse a desfeita de sua comida.
Já estavam todos à mesa quando alguém bateu à porta. Daniel rapidamente se levantou e se foi a atender. Era Milena. Daniel não teve certeza se conseguiu esconder a emoção ao vê-la.
"Queria ver se meu marido havia fugido de casa ou estava apenas escondido debaixo da saia da mãe." Disse ela sorrindo.
Felipe pediu desculpas enquanto D. Cícera ia ajeitando outro prato para pôr à mesa.
Quando estavam quase terminando a refeição, D. Cícera se voltou para Milena sem nenhuma delicadeza e indagou se custaria muito tempo ainda até que ela concedesse um neto à D. Joana, pois temia que sua paciente não conhecesse tal alegria.
"Gostaria, D. Cícera, que a minha mãe tivesse esta alegria e já não poderei realizar..." respondeu ela com a cara fechada, indicando não ter gostado da abordagem da mulher.
D. Joana se levantou da mesa e pediu que chamassem seu marido, pois estava passando mal. Suava frio e tremia e reclamava de uma forte dor de cabeça. Horas depois naquele mesmo dia ela fora se encontrar com o saudoso esposo.
É provável que exista maneira mais sútil de anunciar a morte de alguém, mas não é sempre que a morte emite alertas ou avisos. O seu modus operandis predileto parece ser mesmo o da surpresa.
Felpe e Daniel estavam inconsoláveis e apesar da presença de todos os amigos e parentes uma sensação de que haviam ficado sozinhos no mundo os dominava.
Alice permaneceu durante todo o velório abraçada à Daniel, e algumas vezes olhava para Milena como a desafiá-la e outras vezes para ver se conseguia ver nela qualquer indicação de seus sentimentos atuais, mas só via nela tristeza profunda e sincera pela perda da sogra.
Ao final daquela noite houve um momento em que Milena e Daniel ficaram sozinhos. Os dois estavam em pé ao lado da urna fúnebre e se deram às mãos num estalo.
"Ela teria sido uma ótima avó." Disse ela com um tímido sorriso.
"E você uma ótima mãe."
"Eu vi você com a moça loira... vocês formam um bonito casal. Acho que aos poucos você deve esquecer o que passou, né?"
Ele se virou para ela lentamente e olhou os olhos que durante tantas noites estiveram acesos em sua memória.
"Existem noites, Milena, que não podemos enxergar a lua no céu, mas isso não significa que ela não exista mais."
"Penso que o tempo cura tudo..." Milena ainda replicou incerta.
Ele sentiu raiva aquele momento. Não havia palavra que fosse lhe doer mais do que aquelas. Não, o tempo não curava coisa alguma. Remédios curam, o tempo é veneno que só agrava as dores.
Ela percebeu que ele se zangara e tentou consertar a frase ou dar outro sentido.
"Me refiro à perda de sua mãe. Quando minha mãe morreu achei que nunca, nenhum dia fosse deixar de lamentar esta perda e prantear sua morte, mas o tempo suaviza a dor."
Ele sentiu sua ira aplacar pela doçura da voz de sua cunhada.
Naquela noite não quiseram deixar que Daniel fosse para sua casa e Ari quis que ele passasse as últimas horas consigo.
Alice estava com eles e tentava em vão achar alguma palavra que o consolasse. Por volta das quatro horas da manhã, por fim, ele adormeceu deitado no colo da filha do professor deitado no sofá e ela também, sentada como estava.
O enterro foi rápido e triste. Regido por um silêncio maior do que o costume e moldurado por uma chuva fina que caiu no cemitério.
Felipe pediu que Daniel fosse passar alguns dias em sua casa para que mutuamente se consolassem. Primeiro achou inconveniente, mas via o irmão mais abalado do que ele. Talvez porque estivera mais tempo distante da convivência da mãe, ou talvez porque já estivesse bastante abalado pela história das cartas, mas o fato é que não poderia deixa-lo aquele momento.
Os primeiros dias foram muito estranhos. Daniel se sentia muito solitário apesar da companhia de Felipe e Milena, passava o maior tempo com o olhar perdido, desejando o abraço de Milena e esforçando-se para não deixar transparecer seu amor por ela.
Daniel obteve de seu patrão uma licença maior do trabalho que seu irmão. Então Felipe voltou a trabalhar insistindo para que ele ficasse ali com eles ao menos até o dia em que findasse a sua licença, mas Daniel decidiu voltar para casa.
Pela manhã naquele dia, Felipe saiu bem cedo. Ainda estava arrasado com a morte de sua mãe mas parecia melhor. Sempre viu o trabalho como uma espécie de terapia para si; nisso era idêntico a seu pai. Quando Daniel acordou, Felipe e Milena já haviam tomado café e ele já havia saído.
"Então já vou indo Milena. Obrigado por tudo e diga ao Felipe que depois nos falamos."
"Não Daniel, tome café antes de ir, pelo menos, por favor."
Ele jamais negaria um convite para o café. Primeiro por causa do vício pela bebida, depois por causa de quem o convidava.
Ao primeiro gole, sentiu que o café lhe despertara do sono que ainda sentia. Era mais cedo do que gostaria de ter acordado.
Milena se assentou na cadeira em frente à sua e olhava atenta e diretamente para ele.
"Preciso lhe fazer uma pergunta." Disse ela.
"Faça."
"Como você consegue aparentar tanta serenidade diante de tanta coisa ruim que lhe aconteceu?"
"Eu acredito."
"Acredita em que?"
"Acredito que Deus está desenhando. Pintando um lindo quadro em minha vida. Você já viu um quadro sendo pintado? Uma vez eu vi um programa de televisão que mostrou isso. Quando o pintor começava tudo parecia mal feito, embaçado, torto; mas conforme o tempo ia passando, e as coisas iam tomando forma uma bela imagem surgia, e se em algum momento um traço saia fora do lugar, o pintor o transformava em algo belo e colorido. Eu sei que quando Deus terminar a obra em minha vida será uma bela pintura."
Milena deu um sorriso esplendoroso.
"Você é uma pessoa maravilhosa Daniel!"
Ele terminou de tomar o café e levantou para sair. Enquanto se dirigia para seu carro, Daniel ouviu a porta se abrir atrás dele e ouviu Milena lhe chamando.
"Eu gostaria que as coisas fossem diferentes Daniel." Disse ela.
Ele entrou no carro e se foi.
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Um Amor Impossível
RomanceA vida às vezes reserva amores impossíveis aos corações dos homens. Daniel foi vítima de uma dessas ciladas. Ainda jovem apaixonou-se por Milena para logo a perder. Um amor que o tempo não apagou e ainda se encarregou de escrever novos capítulos ano...