A Ressaca

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Naquela manhã quando Ari estacionou seu carro em frente à casa de Daniel, o filme da morte de seu pai reprisara em sua cabeça.

Um carro da polícia estava parado em frente à sua casa, e seu tio também estava ali, exatamente como naquele dia trágico.

O coração de Daniel recebia uma faca aguda enquanto ele saía do carro lentamente, tomado pelo desespero. Sua roupa ainda encharcada pela água da piscina pesava o corpo. Ari havia deixado algumas toalhas em seu assento que pouco efeito tiveram na tentativa de lhe secar as roupas ou evitar que molhasse o banco do carro. Quando se aproximou da porta pôde ver que sua mãe estava como desmaiada sobre o colo de Paloma; D.Clotilde estava em pé ao lado da filha; sentado no sofá o tio lia calmamente o jornal do dia, e os dois policiais se preparavam para sair.

Daniel abriu a porta e com olhos esbugalhados todos correram em direção à ele, exceto os policiais.

"Daniel, Daniel! Meu filho, o que aconteceu?" A mãe aos prantos abraçava-o e o sacudia.

"Calma mãe, não aconteceu nada..."

Os policiais entendendo pelos trajes do rapaz e o cheiro de bebida que Daniel havia farreado além da conta e nada além disso, despediram-se e se foram.

O tio se levantou também, deu um leve tapa no rosto de Daniel, e disse:

"Não faça isso, moleque, você nos mata de susto! Tenho que ir Joana, vou trabalhar hoje. Fiquem com Deus! Juízo hein, moleque, juízo!" Disse ele em tom imperativo.

Ari permanecia parado à porta, desviando-se a cada vez que alguém saía. Queria dizer alguma coisa, mas aguardava a hora certa. Daniel fez com a cabeça que era para ele entrar, enquanto sua mãe o apertava contra o peito.

Paloma estava belíssima, e muito bem maquiada, como se fosse sair para alguma festa. Mas era apenas a produção que realizava toda vez que ia à casa de Daniel, na tentativa de impressioná-lo. Aquela manhã acabou impressionando o professor, que primeira vez via a bela e alta morena, de cabelos escuros. Ela aproveitou que D. Joana largara o filho finalmente depois de um ou dois minutos, e também o abraçou sem se importar com a roupa molhada de Daniel, e lhe fazendo um carinho no rosto, disse com voz sensual:

"Oh Danielzinho, quase morremos de preocupação com você! Sua mãe, coitada, está quase enfartando! E você na farra! Poderia ter me chamado pra cuidar de você, né?"

Daniel esquivando-se da moça, se afastou um pouco, e disse:

"Gente me perdoa! Não queria deixar ninguém preocupado. Eu Nunca fiz isso, e nunca mais vou fazer. Prometo. Bebi demais, e como era muito tarde quando saímos da festa, acabei dormindo na casa do Ari. Mas tá tudo bem, graças à Deus!"

"Precisa mesmo instalar um telefone aqui, Daniel!" Disse o professor a olhar para as pernas seminuas de Paloma.

"Que jeito, Ari, e eu sou lá rico, para ter telefone."

"Bom, agora que tudo foi esclarecido e se acalmou vou andando. Foi um prazer conhecê-las, senhoras" disse o professor se dirigindo à Paloma e à sua mãe. "D.Joana, não dê uma surra em Daniel não, que não vai resolver, viu? Daniel, depois a gente se fala!"

Daniel agradeceu e acompanhou Ari até o carro.

"Cara, obrigado pela força e pela discrição. Se me mãe descobre que eu ainda amo a Milena, ela entra em parafuso."

"Esquece isso, você é meu chapa! Caramba, Daniel, que mulherão é aquele? Quis saber Ari.

"Depois te explico melhor, mas posso dizer que é só uma distração que minha mãe arranjou para tentar me fazer esquecer o amor de Milena. Nada mais."

"Eu tô todo distraído" Brincou o professor. "Depois te entrego o seu vestidinho, viu?" Disse antes de entrar no carro e partir.

Daniel sentia o mundo inteiro pesar dentro da cabeça. Tinha vontade de vomitar, e uma tontura interminável, ainda por cima, não fazia ideia de quando a jovem Paloma e sua mãe desarmariam o acampamento que haviam estabelecido em sua sala para aumentar ainda mais sua vertigem. Daniel nutria uma espécie de medo temperado à adrenalina de estar andando em uma corda bamba com os olhos vendados entre o alto de uma montanha e outra. Sem exageros. Paloma o amedrontava. Ele sentia como se ela fosse capaz de a qualquer segundo devorá-lo.

Quando entrou em casa, D.Joana ainda era consolada por D.Clotildes enquanto Paloma esperava-o em pé à porta.

"Posso fazer uma pergunta, Daniel?" Disse Paloma interrompendo o caminho com o braço entre os batentes da porta.

"Diga Paloma."

"Você encheu a cara, por causa de uma mulher, não foi? Quem seria a felizarda que está levando este bom moço a perder a cabeça e se afogar em águas tão profundas?"

Daniel achou bem poética Paloma, neste momento. E não tinha certeza se havia se denunciado em algum momento, para que ela chegasse a tais conclusões.

"Não é nada disso Paloma, foi só uma festa. Eu exagerei um pouco e ficou tarde pra voltar. Só isso!"

Era visível a falta de habilidade com a mentira que Daniel tinha.

Ele pediu licença às três para tomar um banho e trocar-se. E o fez tudo muito rápido. Voltando para sala, já não encontrou mais Paloma e D. Clotildes que haviam ido embora.

Sua mãe já não parecia desolada e ele fez de conta que nada tinha acontecido.


Um Amor ImpossívelOnde histórias criam vida. Descubra agora