O Encontro

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No dia seguinte saíram Ari, Paloma, Alice e Daniel para comer pizza.

O casal novo estava radiante, e não se continham em carícias e confissões de amor mútuas. À Daniel pareceu legítimo o amor de ambos. Os olhos que brilhavam, as mãos continuamente entrelaçadas e os incansáveis elogios tornavam os dois personagens de um filme romântico exibido diante dos olhos de todos sem reservas.

Alice se sentou ao lado de Daniel e por alguns instantes ficou a observá-lo sem dizer palavra. Ele havia percebido isso, e se fosse equipado com uma carapaça teria se metido dentro dela e se escondido. Era evidente que estava nervoso e constrangido. Até que a moça, que estava espetacularmente bonita aquela noite em um vestido branco, e com brincos em formato de pérola, decidiu pôr um fim ao gelo em que aos poucos ia sendo congelado o rapaz. Ela se virou para ele e com a mão no queixo passou a descrever a sua análise.

"Eu vejo você." Disse ela, com um pequeno sorriso.

"Oi?"

Falavam baixo como se não quisessem ser ouvidos pelo outro casal à mesa. E nem precisavam, pois eles só tinham ouvidos um para o outro.

"Eu vejo você, nervoso, ansioso e preocupado. Como se tivesse medo, ou estivesse fazendo algo errado."

Daniel olhou para baixo confirmando a suspeita.

"Você tem namorada?"

"Não!" Disse ele quase a protestar. Estava pensando se todos na família de Ari tinha aquele dom de dedução tão apurado. Era quase uma família de Sherlock, pensou.

"Você está tão bonita esta noite." Daniel contra-atacou, mudando o assunto. "Viu? Eu também vejo você!"

"E o que mais você vê, espertinho?"

"Vejo uma garota bonita demais pra estar em uma pizzaria, servindo de vela para o pai, e com um cara feio como eu, e sem um namorado."

Alice sorriu e pela primeira vez parecia encabulada.

Aos poucos foram se descontraindo e a conversa entre os dois fluía muito bem.

Às vezes Ari olhava para Daniel com olhos de vigia. Às vezes Paloma olhava para Ari com olhos famintos. Às vezes Alice e Daniel se olhavam e riam.

Foi uma noite agradável. No fim, Alice parecia interessada no bonito rapaz de quem o pai dissera tão boas coisas, e que parecia também interessado nela.

Fora uns poucos namoricos sem importância e de pouca duração, Alice nunca havia se envolvido com ninguém mais seriamente. Temia, em verdade, se entregar a alguém. O exemplo dos pais a apavorava. Disse isso em algum momento para Daniel, que quis naquele momento lhe contar toda a sua história e ver como ela reagiria, mas temeu que ela se levantasse e saísse correndo. Esperaria momento mais oportuno. Respondeu somente que ela estava certa em se preservar, que o coração humano é hábil em enganar e ferir. Falava com propriedade, ela percebeu.

"Vejo que já sofreu de amor, Daniel."

Daniel confirmou com a cabeça.

Ari ouvia a tudo, fingindo não ouvir.

Ali perto da pizzaria havia uma pequena praça para onde decidiram ir antes de terminar a noite.

Paloma e Ari se sentaram em um banco de cimento e Alice e Daniel em outro. Assim todos ganharam em privacidade.

Daniel quis saber se Alice estava desconfortável com o namoro de seu pai.

"Não, estou feliz por ele. Há tempos não o vejo tão bem. Parece ter rejuvenescido. Infelizmente não há como minha mãe e ele ficarem juntos, então o melhor é que eles sejam felizes, né?"

"É, alguém já me disse que existem amores que são impossíveis mesmo!"

"Eu discordo disso! Acho que só é impossível quando não é amor de verdade..."

Aquilo soou bem aos ouvidos de Daniel, que já odiava a teoria de Milena e precisava urgentemente se apegar a alguma teoria mais otimista.

"Então, senhor Daniel, vai me contar quem o fez sofrer tanto assim?"

"E quem lhe disse senhorita, que eu sofri 'tanto assim'?"

"Está em seus olhos, meu amigo. Você tem olhos de quem já esteve afundado em mágoas profundíssimas."

Aquele ar de investigadora em Alice perturbava Daniel. No próximo encontro ele iria de burca para que ela não conseguisse ver nada em si.

Contudo Daniel, não conseguiu mais se conter e lhe contou toda a história de seu amor por Milena, do casamento com seu irmão e de sua decisão em seguir em frente e procurar um novo amor. Foram mais de dez minutos para narrar tudo o que passou e sentiu. Alice estava visivelmente sensibilizada coma história. Quis a certo tempo tomar a mão dele e consolá-lo. Via os olhos úmidos e a tristeza com que narrava sua dor; era impossível não sentir dó do moço.

"Nossa, Daniel, que coisa! Não sei nem o que te dizer. A não ser que acredito que você merece ser feliz, como todo mundo.

Sabe, eu acredito que Deus às vezes nos fecha uma porta para desenhar um caminho muito mais lindo. Gosto de pensar no amor como um pássaro que migra. Está ruim aqui, voa para outro lugar, onde lhe seja melhor. Se me permite dizer, acho que você está, ou esteve preso a este amor por muito tempo, e agora precisa voar para outro lugar."

Daniel gostava do modo como ela falava. Sua voz era doce e sensual e nunca parecia ser juíza apesar de toda inquisição que fazia.

"Alice" disse ele procurando se refazer, "eu não quero parecer precipitado ou afoito, mas quero deixar claro que gostaria de conhecê-la melhor e me aproximar de você. Jurei a seu pai que não iria magoá-la ou enganá-la sobre meu passado, e estendo este juramento a você. Peço apenas que você me dê a chance de me fazer conhecer e de te conhecer."

Alice deu um suspiro bem fundo, ajeitou o cabelo atrás das orelhas em mais um gesto encantador.

"Ok! Que possamos nos conhecer então!"

Bem nesta hora Ari se aproximou e disse que estava na hora de irem embora, afinal eram quatro destinos diferentes, cada um em um bairro, exceto Paloma e Daniel que moravam no mesmo. Ari os levaria de carro.

Daniel seria o primeiro a ser deixado em casa, pois estava mais próximo. Ao descer do carro viu Alice abaixar os vidros.

"Daniel, adoro chocolate!" Disse ela sorrindo.

Daniel acenou com uma mímica como se estivesse escrevendo à mão. Estava satisfeito com o encontro. Sentia-se estranhamente aliviado e otimista. Havia gostado de Alice mais do que o esperado e se sentia com uma ponta de felicidade a roçar o peito.


Um Amor ImpossívelOnde histórias criam vida. Descubra agora