Virar de Página

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Alguns meses se passaram, e Daniel voltou a ser o velho ermitão de sempre. Há algum tempo não via Ari e sempre que D.Clotilde ou Paloma surgiam furtivamente inventava alguma desculpa e saía sem rumo. Somente para estar sozinho. Caminhava pelas ruas por algumas horas, e às vezes parava em alguma lanchonete e pedia um refrigerante que bebia solitariamente, vez ou outra passava a ideia de embriagar-se novamente para tentar esquecer, mas logo declinava.

Vivia em conflito a lembrar de Milena. Pensava nela todo instante, mas logo se autocondenava, dizendo: "É mulher de meu irmão e merece respeito! Não deveria nem estar pensando nela, meu Deus!" Mas era impossível não estar refém de seus sentimentos quando pensava nos beijos e carinhos e nas juras que haviam feito um para o outro.

Mas num sábado de manhã, resolveu que retomaria o hábito que havia servido como remédio por algum tempo. Ir à Confeitaria Francesa para tomar café com Ari. Sabia que era hábito religioso para o professor estar ali aos sábados. E apesar de algumas vezes pedir ao amigo que encontrasse outro ponto de encontro que fosse mais econômico para ele, ia pelo simples prazer da companhia do professor e pelo sabor incontestável do café, que há muito não provava.

Contudo naquela manhã Daniel estranhou que Ari não estivesse sozinho ali. Havia uma bonita moça de uns vinte anos, cabelos loiros e olhos verdes, e pelo que se via nas mãos, solteira, sentada ao lado dele. Não apenas ao lado, mas a cadeira estava tão próxima a de Ari, que pouco faltava para que a deixasse e sentasse no seu colo. Era visível a intimidade entre eles. Mas estariam namorando, os dois? Em poucas semanas tudo teria mudado em Ari ao ponto de começar um relacionamento com uma mulher tão nova e ele não confidenciar nada para o amigo? Daniel fazia estas e outras perguntas a si mesmo enquanto permanecia inerte à entrada da Confeitaria, até que Ari o avistasse e fizesse um sinal para que ele se aproximasse.

"E aí meu caro monge, resolveu sair um pouco ao mundo exterior?"

"Fala professor, beleza?"

"Eu estou, mas você está horrível, rapaz! Que olheiras são essas? Mas deixa pra lá! Você ainda não conhece a mulher mais linda do mundo, não é? então me deixa apresenta-la a você. Daniel esta é a Alice!"

"Muito prazer, Alice!" Disse ele quase babando.

Era a primeira vez que olhava para outra moça depois de Milena com aqueles olhos esbugalhados e sedentos. "Como pode o professor Ari, feio como é, arrumar uma namorada tão linda?" Daniel tinha que fazer cara de normal enquanto achava aquilo uma loucura.

As mãos da jovem faziam a todo tempo carinhos nos cabelos de Ari, como se aquilo fosse uma terapia para ambos. Ele chegava a fechar os olhos enquanto ela lhe fazia cafuné. Tudo parecia aos olhos de Daniel de uma intimidade de muito tempo, não um namoro recente.

"E aí, Daniel que novidades me conta? Você sumiu! Passei algumas vezes pra te ver em sua casa, e você nunca estava. Pensei que estava de mal de mim!" Disse, sorrindo, o professor.

Neste momento antes que Daniel lhe respondesse, a garota loira pediu licença, dizendo que tinha horário para o trabalho. Levantou-se, deu um beijo na testa de Ari e estendeu a mão a Daniel.

"Foi um prazer conhecê-lo Daniel! Perdoe não ficar mais tempo, pra nós conversarmos. É que eu vou trabalhar, não posso me dar o mesmo luxo que vocês, sabe? O velhote aí me disse coisas boas a seu respeito. Outra hora a gente se fala, tchau!" Disse ela com extrema simpatia.

Daniel se despediu da moça, e mal esperou até que ela saísse da confeitaria para se voltar ao amigo.

"Que é isso, Ari? Que gatinha você arrumou, cara, e nem me fala nada?"

"Arrumei o que, criatura? Alice é minha filha!"

Daniel levou a mão ao rosto, envergonhado.

"Estou muito enganado, ou vi os seus olhos brilharem outra vez, Daniel?"

Desta vez ele apenas sorriu, fingindo-se de desentendido.

Ari sentia-se confuso, neste momento. Tinha uma grande estima por Daniel, mas tentava a todo custo preservar a felicidade de Alice, que até este momento ainda não havia namorado ninguém. Podia, entretanto, ver que o ex-aluno olhava para ela com a esperança de que a filha lhe fosse o virar de página de sua história, a libertação do amor que lhe aprisionava e o atormentava.

"Ela é linda, parabéns!" Disse Daniel, enquanto o professor fingia um olhar fulminante para ele.

"Olha que eu exijo o pagamento de um alto dote, hein?"

Ambos sorriram.




Um Amor ImpossívelOnde histórias criam vida. Descubra agora