Depois de três noites consecutivas sem dormir direito, Daniel sofria com dores de cabeça fortíssimas, além de estar com uma expressão de zumbi que assustava quem o visse. Os olhos vermelhos, cercados por escuras olheiras, completavam a horrenda figura.
Para desfazer qualquer possibilidade de sono, Daniel ouviu logo cedo a movimentação de D.Joana para preparar as coisas do almoço. Ouvia também a doce e eufônica voz de Milena a ajudar a sogra. E seguindo a sua voz foi que ele se levantou. Achou Felipe na cozinha apreciando o café de sua mãe.
"Ai como senti falta do seu café, minha mãe!"
Quando viu Daniel, Felipe fez questão da companhia do irmão à mesa. Levantou, deu nele um abraço e puxou uma cadeira ao lado da sua. Assistidos por D.Joana e Milena que cortavam legumes ao pé da pia.
"Nossa filho, você está horrível, não dormiu esta noite não?"
Antes que Daniel elaborasse alguma desculpa, Felipe se antecipou ao irmão.
"Mãe isso é cara de homem festeiro! Deve passar as noites se divertindo, né, Daniel?"
Daniel apenas balançou a cabeça negativamente.
Aos poucos os convidados para o almoço foram chegando. Primeiro foi a vez do professor Ari que chegou sozinho, antes, uma meia hora do horário marcado, porque queria falar em particular com Daniel.
Os dois foram para frente da casa. Ari parecia ansioso. Com as duas mãos ele pegou no rosto do jovem e sacolejou.
"Cara eu quero chamar a morena para jantar, mas você precisa me ajudar! Não faço isso há muito tempo, e não tenho nem ideia de como eu começo!"
A ideia imediatamente pareceu boa aos olhos de Daniel. Livrar-se do grude de Paloma seria a esta altura um refrigério em suas dores. Contudo, uma ideia traiçoeira lhe nublou o semblante. Queria fazer de Paloma a figura que impusesse ciúmes à Milena pelo menos àquele dia. Não esperava que a cunhada visse nele nenhum coitadinho que estivesse a sofrer o amor perdido por ela. Então estava formado o primeiro dilema de Daniel.
Ari ainda confidenciou o quanto lhe atraía Paloma para um Daniel já perdido em imagens controversas e que ele mesmo condenava de alguns afagos que cederia à moça. Num determinado momento Daniel interrompeu o professor para lhe perguntar da filha. Queria saber mais da bela loira da confeitaria.
Alice morava com a mãe ali na mesma cidade. Ia e vinha sempre em sua casa, dizia Ari. Estudava Farmácia em uma Universidade famosa, era bastante caseira também, e o principal aos ouvidos atentos de Daniel, ela estava solteira já há algum tempo, desde que fora traída pelo ex-noivo.
De repente, no fim da rua avistaram a duas mulheres que vinham embaixo de uma sombrinha florida, Eram D.Judite e Paloma. A velha vestia-se moderadamente como costume, mas a filha vinha num vestido curto e apertado com pequenos botões de rosas em um tecido branco. O professor lutava dentro de si para não se lançar em cima dela e a agarrar à força.
Pronto, estavam todos os convidados reunidos, e era hora de provar a deliciosa comida de D.Joana.
Já todos servidos e devidamente apresentados, D.Judite quis saber da família de Milena.
"Não tenho senão esta família, D.Judite; Minha mãe foi a última a me deixar, há poucos anos com um câncer, não tenho irmãos..." disse ela com um olhar meigo distribuído a todos.
"Estava sozinha no mundo, quando a encontrei." Felipe apertou a mão da moça. "Pra minha sorte, né!"
Daniel era, de todos, o mais calado. Comia pouco como o costume, e deixava estar com o olhar caído. Respondia se alguém perguntasse, mas nenhuma iniciativa partia dele. Vez ou outra deixava que seu olhar se cruzasse ao de Milena, que estava sentada quase de frente para ele. Quando isso acontecia, era visível o constrangimento de ambos. O professor Ari parecia estar se dando bem com Paloma. Falavam aos cochichos o que ninguém podia ouvir, mas às vezes uma gargalhada dela vinha chamar à atenção de todos, e ela logo se desculpava, dizendo:
"Desculpem gente, o Ari é muito engraçado!"
D.Joana percebeu que o professor arrastava suas asas para cima de Paloma. Então se levantou e discretamente chamou Daniel a um canto da cozinha.
"Daniel, não está vendo?" Disse ela brava de ficar vermelha.
"Vendo o que mãe?"
"O seu professor se assanhando pra cima de Paloma!"
"Não é ótimo, mãe?!"
"Que ótimo o que, moleque!? Paloma tem que ficar é com você! Olha a alegria de Felipe, meu filho, todo apaixonado, não me dê o desgosto de morrer sem vê-lo assim. A Paloma é uma moça tão bonita filho!"
"Mãe, eu agradeço, de verdade, a sua preocupação. Mas eu não sinto nada por Paloma. Eu amo..."
Percebendo que havia dito demais, interrompeu a frase ao meio. Mas já era tarde demais. D.Joana já havia deduzido o restante da frase.
"Você? Amando alguém? Quem, eu preciso saber, filho! Me diz!"
"Mãe, eu ia dizer que eu acredito mesmo é no amor. Um dia vou me apaixonar por alguém e esse alguém por mim, e aí constituirei família."
"Sei não, acho que você já achou essa pessoa. Isso explicaria tudo. A sua negativa em aceitar o namoro com Paloma, estas noites em claro, esta sua tristeza e suspiros intermináveis. Acho que está sofrendo de amor, isso sim!" Disse ela sorrindo ironicamente.
Daniel pediu licença e foi se sentar novamente.
Quando D. Joana voltou também Felipe pediu que todos fizessem silêncio, pois traria uma notícia.
"Pessoas queridas do meu coração; como é de conhecimento de todos aqui, faz algum tempo que o meu trabalho me levou para longe de vocês. E hoje eu morro de saudades todos os dias, por causa disso. Mas agora que estou casado e desejando ter filhos" Ele parou e fez um carinho na cabeça de Milena. "Esta semana eu pedi, e me foi concedido que voltasse a trabalhar aqui em nossa cidade, para que eu estivesse mais perto de vocês!"
Todos à uma levantaram-se e aplaudiram, se alegrando da notícia. Menos, é claro, Daniel, que estava totalmente perdido em seus pensamentos. Por um lado feliz com a proximidade tanto do irmão quanto da cunhada, mas por outro, ainda mais encurralado pelo conflito de seus sentimentos.
D. Joana, que não sabia da novidade, precisou de um copo de água com açúcar para se acalmar. Estava eufórica.
O almoço ainda transcorreu dentro da mais absoluta normalidade, enquanto Daniel queimava por dentro em ansiedade e confusão. A notícia lhe causou algum tremor com que ele não esperava ter que lidar naquele momento. Chegou a acreditar que fosse melhor os dois em São Paulo para que não fosse obrigado a vê-los juntos todos os dias.
Quandotodos se foram, inclusive Felipe e Milena que anteciparam seu regresso aquelatarde, Daniel ficou sozinho na casa. D. Joana havia ido até a casa de D. Juditepara continuarem a tratar de assuntos que no almoço não fora possível por causados demais convidados. E ele andava sozinho pela casa. Em verdade, sentia-se solitáriotambém na própria vida. Haveria de ficar sozinho? Não conseguiria novamente seapaixonar? Se libertaria daquele seu amor impossível? Todas estas perguntas iamecoando em seu coração lhe atormentando o espírito.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Um Amor Impossível
RomanceA vida às vezes reserva amores impossíveis aos corações dos homens. Daniel foi vítima de uma dessas ciladas. Ainda jovem apaixonou-se por Milena para logo a perder. Um amor que o tempo não apagou e ainda se encarregou de escrever novos capítulos ano...