O casamento

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Enfim chegou o grande dia, D. Joana e Daniel viajaram cedo a São Paulo.

Encontrar Felipe deixava a mãe a ponto de explodir de tanta alegria. Estava em polvorosa. Havia comprado um vestido de seda verde e caríssimo para a ocasião, e colocaria suas joias depois de muito, muito tempo. Uma hora depois de encontra-lo em seu apartamento, mãe e irmão já tinham amenizado os efeitos da saudade.

Daniel achou Felipe mais gordo, Felipe achou ele mais triste. Felipe tinha um aspecto de cansaço nos olhos, cercados de olheiras. Era o trabalho que ia minando sua beleza e saúde, confidenciou isso ao irmão.

"Ô Felipe, ainda não sei nem o nome de sua amada, cara... A mãe nunca comentou."

Antes que pudesse responder, Felipe foi puxado pela mãe em direção à janela do apartamento.

"Filho, tinha que morar num lugar tão horroroso!? Só parede e cimento e prédios. Você tem que deixar este lugar!"

"A senhora sabe que eu venho pensando muito nisso, né mãe? Agora que a filial está consolidada e eu vou me casar pode mesmo ser a hora de voltar para casa. Vamos ver o que fazer depois do casamento. Agora tenho que ir, vou pegar o terno. Fiquem à vontade, viu?".

Horas mais tarde D. Joana já estava pronta, mas teve que voltar à maquiagem quando uma crise de choro a dominou. Era mais alegria e emoção do que ela calculava sentir. O coração parecia querer minguar, tremiam-lhe as pernas e as mãos gelavam. Andava de um lado para outro no pequeno apartamento o tempo todo, a espera do horário previsto de irem à igreja. Como desejava a presença de Seu Rodolfo aquele dia!

Daniel, por sua vez, parecia tranquilo. Arrumou-se rapidamente na última hora sem alvoroço.

A caminho da igreja o tempo resolveu mudar. O sol desapareceu em densas nuvens negras, e um vento quente cortava os ares. O táxi que os levou estacionou antes que os primeiros pingos de chuva caíssem, permitindo aos dois entrarem pelas portas do templo antes do pequeno dilúvio que se apresentava.

Não havia ali mais do que trinta pessoas. A maioria, colegas de trabalho de Felipe, mas também alguns primos distantes do noivo e dois tios. Do lado da noiva, entretanto, nenhum convidado.

Felipe entrou e se sentou no primeiro banco vago, enquanto sua mãe se dirigia para o lado do noivo, que estava exuberante. Um pavão com o rabo à mostra.

Preocupados com a ventania que vinha da rua dois capelães fecharam as duas grandes portas frontais de madeira da igreja, escurecendo um pouco o ambiente e tirando a brilho da multidão de flores que cobriam a nave do templo. O vento sacudia as portas ameaçando abri-las a qualquer momento.

Daniel achava natural o atraso de vinte minutos que a noiva causava ao início da cerimônia, mas involuntariamente passou a roer as unhas, como se ele mesmo fosse o noivo. Ansiava conhecer o rosto da futura mulher do irmão, ver se seu bom gosto para namoradas do tempo de colégio persistia. Depois das unhas, as pernas sendo agitadas com o bater dos calcanhares, denunciavam que Daniel estava demasiado nervoso para o casamento alheio, e se pôs a pensar no dia em que ele seria o protagonista.

Ele olhou rapidamente em direção ao altar e viu a mãe quase a flutuar ao lado de Felipe, que tinha os olhos fixos nas portas; foi aí que os mesmos capelães deram uma carreira e as abriram. A música escolhida pelos noivos passou a ser tocada ao piano e todos a uma se levantaram. Daniel era o convidado mais próximo da porta e foi também o primeiro a avistar a noiva que subia lentamente a escadaria da igreja, amparada por um grande guarda-chuva que traziam, na esperança de não desmanchar os seus adereços. À porta, retiraram o objeto revelando a beleza da moça a todos os presentes, que cochichavam entre si elogios à sua impecável imagem. Daniel não sentou, desabou em seu lugar quando a noiva deu três ou quatro passos em direção ao altar em marcha. Sentado ele viu que a noiva também olhava para ele empalidecida e resignada ao próprio destino. Era Milena. A primeira namorada, o grande amor, a iminente esposa de seu irmão. O coração de Daniel descompassara para sempre. Precisava de água, a boca seca implorava. Depois que a noiva se refez e avançou em seu caminho, ele tentou sem sucesso reerguer-se e fugir dali. Correr para bem longe, para um deserto ou para a lua, só não poderia mais permanecer ali naquele sufocante cenário.

Milena chegou ao altar, recebida com um beijo espontâneo e imprevisto da sogra, encantada com a maravilhosa e belíssima presença de Milena, sem que a reconhecer como a mesma menina que foi namorada de seu filho caçula anos atrás.

Milena pensava: "Como Daniel soube de meu casamento? Como me encontrou? Por que eu tenho que enfrentar isto hoje, meu Deus?" Ela não conseguia desembaralhar todos os sentimentos que a golpeava causando-lhe tamanha vertigem que quase a levou a desmaiar.

Vendo que seu estado não era normal, Felipe quis saber se estava tudo bem. Um pouco de água e ficaria tudo bem, disse ela. Mas não ficou. A cerimônia transcorreu fiel ao programado, simples e breve, a noiva, entretanto, parecia abalada.

Daniel levantou-se discretamente par ir embora, mas a porta frontal havia sido fechada novamente por causa da chuva, e as laterais também. Ele se sentia, então, como uma presa na boca de seu predador, no caso a própria vida em sua ironia. Teria ela contado a seu irmão sobre o passado? E ele sabendo disso, aceitou casar? Criava milhares de teorias que o machucavam. Sofria, por certo, mas ainda assim não queria ver Felipe se entristecer. Então, respirou fundo e assistiu à própria tragédia até o fim.

Na saída da igreja a chuva havia dado um tempo. Os convidados fizeram um corredor para cumprimentar os noivos, menos Daniel que não tinha forças em si para este primeiro contato com os recém casados e permaneceu dentro da igreja enquanto todos correram para a saudação. Ele caminhou até o altar lentamente, como para experimentar a mesma visão que os dois tinham dele assentado no banco a assisti-los e sentiu no ar o resquício do aroma do perfume de Milena. Estava desnorteado, cambaleando, passou as mãos na cabeça até entrelaçar os dedos na nuca. Queria entender o que estava acontecendo.

À porta Felipe quis saber do irmão.

"Deve ter ido ao banheiro!" Disse a mãe sorrindo.

"Precisamos ir, mãe, não quero ir sem me despedir dele."

"Vou ver se o encontro, espere um pouco." E lá se foi D. Joana esfuziante. O coração de Milena disparava.

Os noivos sairiam dali direto para a viagem de lua-de-mel, enquanto D. Joana e Daniel voltariam para casa. Já estava previsto que não haveria festa, a pedido da noiva que parecia adivinhar o que iria acontecer.

D. Joana encontrou Daniel assentado ao primeiro banco, a gravata afrouxada e a camisa para fora da calça dava ideia do quanto esteve desconfortável há pouco. Ele segurava com as mãos a cabeça entre os joelhos.

"O que foi filho?"

"Nada, mãe estou um pouco tonto, só..." Daniel desconversou.

"Vamos, seu irmão quer te dar um abraço antes de ir, e você ainda nem abraçou a noiva, não vai fazer essa desfeita, né? É seu irmão, menino!"

Arrastado pela mãe Daniel tentava se recompor guardando a camisa nas calças.

"Que é isso, Daniel?" Disse Felipe ao ver a cena.

"Ah mano, você sabe que eu não suporto este tipo de roupa, né? Mas vem cá e me dá um abraço!"

Puxou para si o corpanzil do irmão e beijou-lhe a face com sinceridade, mas temia no fundo, parecer Judas, o Iscariotes, enquanto, de soslaio Milena olhava para os dois. Mas não era. Era verdadeiro o amor pelo irmão, que Daniel ofertava aquele momento superando toda a sua dor.

"Já viu a mulher mais linda do mundo Daniel?" Felipe tomou as mãos de Milena a fazendo voltar-se cara-a-cara com Daniel.

A boca da moça se abriu parecendo que ia dizer algo, mas Daniel interrompeu o gesto tomando uma de suas mãos em suas duas, e olhando nos olhos vermelhos de Milena, proferiu as palavras que fizeram o desfecho da tragédia:

"Toda felicidade do mundo ao casal!" Aí sim havia uma boa dose de sarcasmo que transbordava da boca do irmão solteiro.

Despediram-se afetuosamente mãe e filho enquanto Daniel e Milena lado a lado permaneceram em silêncio. Depois ainda houve tempo para mais um abraço entre os irmãos, a noiva e a sogra, mas não houve mais nenhuma despedida entre Daniel e Milena.

Os noivos entraramno carro e Daniel abraçou a mãe que se desmanchava em lágrimas de felicidade    


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