D. Joana já não se lembra

44 2 0
                                    

Fazia um tempo que Daniel se preocupava com a mãe. Que estava apresentando alguns sinais da demência da idade. Para ele não era assim tão velha. Via com naturalidade os cabelos brancos, as rugas e o corpo murcho da mãe, mas relutava em aceitar que estivesse a envelhecer. Contudo, outros sinais passaram a existir. O principal deles, a falta de memória. Se antes, D. Joana adorava contar as histórias de como era quando os filhos eram crianças agora já não se lembrava. Vez em quando, trocava os personagens ou errava a sequência dos acontecimentos. Se fosse alguma aventura de Daniel dizia ser de Felipe e vice-versa. Perdia com frequência as datas, chegou a felicitar Daniel duas vezes aquele ano por seu aniversário e chorou quando pensou ter passado o seu aniversário sem que ninguém a parabenizasse. Duro foi para Daniel convencê-la de que houve uma pequena festa em seu aniversário, com bolo e a presença de D. Clotilde e Paloma, isto em Abril.

Mas a pior lacuna na memória de D. Joana ocorreu em Dezembro daquele ano. Depois da carta que anunciava o enlace de Felipe, outras cartas chegaram. A cada semana novas notícias vinham pô-los a par das novidades do casamento. A corrida para os preparatórios, a compra do vestido, o aluguel das coisas. Tudo era partilhado pela letra de Felipe. Em uma delas Felipe marcava um jantar de noivado onde enfim se conheceriam a noiva e sua família. Tudo certo, horário, endereço, data. D. Joana leu, mas esqueceu. Esqueceu-se até de comentar com Daniel. Passada a data, recebeu outra carta de Felipe queixando-se da ausência deles no jantar, mas acreditando ter acontecido alguma coisa que os impediu, reforçava a data do casamento com os dizeres "neste não faltem hein!". D. Joana precisou, então, rever as cartas anteriores para certificar-se do lapso. Quando se apercebeu do fato caiu em depressão. "Como pôde esquecer o noivado do próprio filho? Sentia-se a pior das mães.

Daniel entrou em casa e não achou a mãe na cozinha como de costume, a encontrou em seu quarto deitada como morta.

"Mãe, tá tudo bem? a senhora tá doente?" D. Joana não respondeu.

Daniel foi se aproximando da cama de sua mãe e percebeu o calhamaço de papel que estava a seu lado, eram todas as cartas de Felipe.

"O que foi que aconteceu, minha mãe?"

"Filho, sua mãe está ficando louca..." disse ela com voz reticente.

"Do que está falando, mãe?"

"Acredita que eu me esqueci do noivado de seu irmão? Era semana passada, filho, e a mãe esqueceu. Nunca vou me perdoar e nem Felipe vai..." Ela começou a chorar debruçando-se sobre as cartas.

Daniel sentou-se na beirada da cama e abraçou a mãe. Ressentia-se de fato ter faltado a um dia tão importante na vida do irmão, mas compreendia o estado senil da mãe. Estava velha, esquecia-se com frequência das coisas, era natural que mesmo um evento tão significante pudesse esquecer. Por isso tentava a todo custo consolar a mãe dizendo que isso era normal, que em breve a levaria a São Paulo para conhecerem a noiva de Felipe e desculparem-se.  


Um Amor ImpossívelOnde histórias criam vida. Descubra agora