Desabafo

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Daniel voltou para casa visivelmente abalado. Alguns dias não comia outros não dormia, e em todos era um zumbi a se arrastar de casa para o trabalho.

D. Joana, contudo, permaneceu em estado de graça com a alegria de Felipe e não percebeu a tristeza do outro filho.

Acordou estranhamente cedo num domingo enquanto sua mãe ainda dormia, virou e revirou sobre a cama, mas não conseguiu voltar a dormir, então se levantou e se vestiu. Passou um café, tomou um gole, achou-o demasiado ruim e saiu à procura de algum lugar para tomar outro. Não tinha nenhum itinerário especifico, andava a esmo, cambaleando pelas ruas do bairro tentando equilibrar a mente que frequentemente era dominada pelos pensamentos em Milena. Quando via estar caminhando em alguma direção por onde já havia estado com a esposa de Felipe, mudava o rumo, como esperava fazer à própria vida.

Por fim encontrou um lugar que não estivera com ela. A Confeitaria Francesa era um lugar chique demais para os rendimentos de Daniel, que já havia passado em frente ao estabelecimento diversas vezes sem que tivesse coragem ou dinheiro para entrar. Mas aquele dia a inconsequência de alguém que estava arrasado emocionalmente o impulsionou a entrar. Tomou a ficha no balcão e pediu um café.

"Que ma-ra-vi-lha de café!" Por isso era tão caro. Olhou à sua volta e percebeu que estava mesmo fora de seu ambiente natural, pessoas bem vestidas e visivelmente pertencentes à outra classe social tomavam seu desjejum como de costume enquanto ele parecia estar como um peixe fora d'água. Foi quando um sujeito de uns cinquenta e poucos anos, parcialmente calvo e de óculos se levantou de uma mesa próxima à sua e caminhou até ele.

"Posso me sentar, Daniel?"

"Professor Ari, quanto tempo! Claro que pode, senta aí!"

Ari fora seu professor de Sociologia nos tempos do Ensino Médio, agora já não lecionava mais, estava afastado há três anos por motivo de saúde.

"Caramba, menino, como você cresceu! E aí. Como vão as coisas? Você ainda está morando aqui? A maioria de meus antigos alunos foram embora da cidade..."

"Pois é, professor, eu acho que fixei minha raiz nesta cidadezinha! Não saio daqui não."

"A não ser que sua mulher decida isso, porque no fim das contas são sempre elas que decidem, né?" Depois de dizer isto, Ari olhou para a mão esquerda de Daniel e viu a inexistência da aliança que demonstrava que ele ainda não havia se casado. Entretanto, Daniel, sorriu cordialmente sem nada a dizer, mas se mostrando decepcionado.

"E seu irmão, como está? Também mora aqui ainda?" Tentou mudar de assunto o professor que também tinha dado aula a Felipe, depois que viu no rosto do jovem certo constrangimento com sua última frase.

"Ah não, Felipe está morando em São Paulo, professor, acaba de se casar..." Disse do casamento diminuindo o tom da voz, trazendo ainda maior evidência de que se constrangia em falar sobre casamento, mas desta vez Ari não percebeu.

"Com quem se casou aquele namorador? Alguma aluna minha?" quis saber.

"Sim, com Milena!" Daniel deu o ultimo gole no café, quase frio àquela altura. Precisava fugir dali. Aquela conversa tomava rumo exatamente para o que ele havia se refugiado àquele lugar. Estava desconfortável, um nó na garganta lhe obstruía a respiração normal. Fez menção de levantar-se e sair rapidamente, mas antes que pudesse se despedir do antigo mestre viu que ele estava em estado de choque, a boca levemente aberta e o gesto de desprender bruscamente das mãos a caneca de leite sobre a mesa demonstrava que Ari compreendeu seu constrangimento.

"Milena?" Indagou ele incrédulo. "A mesma que estudou com você? Daniel fez que sim com a cabeça.

"Meu Deus! Ela foi a sua primeira namorada, dava pra ver o quanto vocês se gostavam durante o último ano de escola. E pela sua cara, este amor não acabou não é? Caramba, que cilada, hein?" Ari era o típico especialista em perceber as coisas que as outras pessoas demoravam ver. Observador nato, ele conseguia notar a mais leve alteração no humor ou no semblante de uma pessoa e daí deduzir como ela se sentia. Toda a trama da história de Daniel ficara clara para ele naquele instante. Ari montou todos os quadros daquele cenário de novela mexicana em uma só sinapse. A face contraída do rapaz e seus olhos levemente úmidos denunciavam a paixão recolhida.

Enquanto isso, Daniel não sabia muito bem, mas sentiu-se aliviado de que alguém soubesse o que sentia. Até então a ninguém havia feito seu confidente, não desabafava com ninguém e estava prestes a explodir com todos aqueles segredos.

"É evidente que seu irmão não sabe de nada, não é?" Esta era a única questão que Ari não conseguiu solucionar pelos olhos do rapaz. E o que sacramentava o toque de tragédia à história.

Daniel então aproveitou e desabafou como se fossem íntimos de longa data. Contou-lhe tudo o que havia acontecido nos últimos anos, de seu sofrimento, de sua saudade, de seu amor, de tudo. Narrou pormenorizadamente o episódio da cerimônia de casamento, suas impressões e seus terrores. E vendo ele que seu interlocutor não apenas prestava atenção, mas realmente interessava-se, ao ponto de que lhe interrompia de vez em quanto para dizer o que pensava a respeito, aproveitou para descarregar aos seus ouvidos tudo o que sentia.

Mais duas xícaras de café para Daniel, duas canecas de leite para Ari e alguns pães de queijo e uma amizade improvável se estabelecia.

Para Ari era preciso Daniel tomar uma decisão. Ou declarava ao irmão e à cunhada o seu amor para ver se aliviava o coração do peso de seu segredo, aceitando todas as prováveis consequências deste ato, ou virava a página e buscava alugar o coração a outro amor.

Ambas as ideias deixava Daniel perturbado e descrente de sua eficácia.

Terminaram o café marcando ali mesmo novo encontro no fim daquela semana.

Daniel se despediu de Ari e voltava pelas ruas aliviado pela confissão e feliz pela nova amizade.

Todos os remédios para o coração são divinos.    


Um Amor ImpossívelOnde histórias criam vida. Descubra agora