Um Acidente

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O tempo passa rápido. Três anos depois, Daniel havia aberto seu próprio negócio. Uma pequena empresa de cargas e encomendas. Ramo que durante tanto tempo esteve trabalhando e lhe deu subsídios e experiência para agora tornar-se o empresário que tanto orgulharia a seus pais. Felipe fez o papel de congratulá-lo. E o negócio ia muito bem. Tinha quatro empregados e fazia mais de dez fretes por dia. Sua cabeça ocupava-se disso, enquanto seu coração ainda estava incerto de seu ofício.

Decidiu pelo namoro com Alice há um ano, e esforçava-se por amá-la. Ela era doce e romântica e não precisou se esforçar para que o amasse com todas as forças. Se viam todos os dias após o trabalho.

Para o funcionamento da empresa havia alugado um pequeno salão próximo à sua casa, sobretudo para que fosse à pé ao trabalho, como fazia antigamente. Gostava de caminhar, era quando tentava equilibrar os pensamentos e punha as ideias em ordem.

Numa manhã cinzenta de 2003 Felipe estacionou o carro em frente à Fênix Express — o nome da empresa de Daniel, e trouxe consigo uma novidade.

"Daniel, Daniel!" Gritou ele antes que atravessasse a rua.

Felipe estava um pouco mais magro, mas a calvície herdada de seu pai agora lhe conferia ares de um quarentão que ainda não alcançara.

"Daniel, tenho uma novidade." E de dentro do bolso tirou um sapatinho de bebê e o balançava diante da face dele.

Os pés de Daniel congelaram.

Milena estava grávida de dois meses, e Daniel abraçou ao irmão que não conseguia conter as lágrimas.

"Um acidente", dizia ele. "Um lindo acidente".

Daniel sempre mantinha nestes momentos uma expressão robótica. Felipe se acostumara à isso. Era a maneira adotada por ele para não vazar seus sentimentos ao irmão. Mas a alegria e a emoção de Felipe eram contagiantes. Nunca o vira daquele jeito.

"E Milena, como está?" Daniel perguntou.

"Surpresa. Você sabe que ela não queria né? Mas o mais importante agora é que eu vou ser pai cara. E ela mãe!" E ergueu o irmão com mais um abraço.

Milena de fato não queria engravidar. O casamento a desmoronar, o silêncio e a resignação dominava seu coração. Então, a criança era fruto de uma união quase falida, mas devolvera fogo ao menos ao coração de Felipe, e isto era notório.

Aos poucos Felipe foi enchendo sua casa de roupinhas de bebê, fraudas e outros itens do enxoval enquanto Milena suportava a ideia sentindo frequentes dores na barriga e enjoos.

Até que numa noite após um mês Daniel estava sozinho em casa quando recebeu uma mensagem de texto de Felipe no telefone celular :

"Daniel, estamos no Hospital Luís XVI, venha correndo."

A falta de maiores informações na mensagem deixou-o aflito, ainda mais quando tentou ligar para Felipe e ele não atendeu ao telefone.

Chegou ao hospital e encontrou Felipe sentado no chão em um corredor com a cabeça entre as pernas. Aproximou-se dele lentamente, temendo a pior notícia, e se abaixou.

"Felipe!?"

A gola da camiseta que Felipe usava estava encharcada por suas lágrimas. Os olhos estavam inchados e vermelhos, e num primeiro momento Daniel nada pôde dizer, ficou apenas a contemplar a expressão desesperadora no rosto do irmão. Felipe se reclinou sobre o colo de Daniel ainda sem explicar o que havia acontecido.

"Felipe, o que aconteceu? Está tudo bem com Milena?" Daniel já não aguentava esperar.

"Ela perdeu o bebê Daniel, o meu filho morreu..." Respondeu Felipe engasgando no próprio choro.

Milena estava em observação e Felipe não tinha forças em si para sequer estar em pé.

Foi uma longa e triste noite aquela. Felipe sentia que não teria outra chance de ser pai de um filho de Milena e isso lhe feria a alma.

Os próximos dias seriam ainda mais tristes. Era a hora de Daniel ser o consolador para Felipe, ainda que não tivesse muita habilidade nisso. Pelas poucas palavras e pela experiência em sofrer, pouco valia neste fim.

Milena, contudo, permanecia inerte. Era uma fortaleza inabalável. Superou muitíssimo rápido o revés e retomou a vida normal, causando assombro a todos.


Um Amor ImpossívelOnde histórias criam vida. Descubra agora