Cinco Anos Depois

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Cinco anos depois a saudade de D. Joana ainda assombrava Daniel.

Há três anos vendera a casa dos pais e se mudara para uma pequena casa no bairro de Ari. Passava os dias razoavelmente bem, ocupado do trabalho, mas quando vinha à noite para casa uma tristeza quase mortal o dominava. Nessa época saía muitíssimo pouco, e pouco permitia que o visitassem. Às vezes desligava o telefone e às vezes saía e se refugiava na Confeitaria Francesa.

Já não via Alice há meses. No último encontro uma conversa pareceu selar o destino de um possível romance. Ele confessara não ter esquecido o amor que sentia por Milena, e que adorava a companhia da moça, mas isso não despertou nele qualquer sentimento além da amizade. Ela, que já se aproximava de estar apaixonada, muito se ressentiu e nunca mais o procurou.

Daniel achava melhor assim, temia pela felicidade de ambos.

Uma vez por semana, D. Cícera fazia faxina em sua casa. Tinha uma cópia das chaves e entrava e saía sem nenhuma cerimônia, às vezes sem que Daniel e ela se apercebessem da presença um do outro. Apesar de D. Cícera muito gostar de interferir no modo de vida de Daniel. Por vezes o criticou por se aproximar da meia idade sem nenhuma namorada, e outras por ser tão solitário, Daniel respondia a tudo com um silêncio provocativo.

Ele comia o que cozinhava, e não era ruim de panelas não, apesar de estar bem mais magro. Aprendeu rápido a fazer o trivial e se virava. Quando estava bem humorada, D. Cícera lhe fazia um estrogonofe do qual era fã, mas na maioria das vezes era o arroz com feijão e qualquer mistura que o bastava.

Já Felipe parecia conformado com a situação de seu casamento, que se por um lado, não era o casamento dos sonhos, por causa da frieza e distanciamento de Milena, por outro, mostrava-se duradouro e estável. Filhos, sem chance. Ela declinava todas as vezes que ele tocava no assunto, qual o diabo foge da cruz. E se Daniel estava bem mais magro, Felipe havia engordado muito. Ele se sentia desmotivado e quase sempre arrumava uma desculpa para estar deitado no sofá e ocioso. Aquilo corroía Milena por dentro que, na maioria das vezes, evitava o confronto e apenas sugeria que ele fosse fazer uma caminhada "para espairecer, sabe?", mas ele preferia estar assim, na companhia de sua amada esposa à fazer qualquer outra coisa. E se ela insistia muito em protestar pelo sedentarismo dele, ia de carro à casa de Daniel, somente para livrar-se do sermão, isso poucas vezes.

Até que começou a ver o irmão um tanto abatido, como se sentisse ainda a perda da mãe ou outra dor mais pungente, e decidiu que seria bom ir vê-lo com mais frequência a fim de oferecer maior solidariedade pelo momento.

Numa sexta-feira à noite chamou Milena para ir consigo até a casa do irmão; da última vez que o vira ele estava muito triste e não queria que ele passasse muito tempo sozinho, preocupava-se. A palavra "triste" penetrou na alma de Milena. Decerto, ela se sentia responsável por aquela tristeza e concordou em ir.

Já em casa de Daniel, Milena se ofereceu para fazer um café enquanto os irmãos punham a conversa em dia. Ao que prontamente o anfitrião aceitou, pois estava quase a ponto de entrar em uma crise de abstinência. O café que ele fazia era horrível e agora estava muito longe da Confeitaria Francesa para ir constantemente à busca da preciosa bebida.

"Cara estou preocupado contigo!" Disse Felipe.

"Comigo? Mas por que?"

"Ah Daniel você está muito sozinho aqui, cara. E quando a gente fica sozinho não é legal. A solidão só serve para criar monstros na cabeça da gente..."

"Não se preocupe meu irmão, eu estou bem. Aqui estou perto do professor Ari e ele vem sempre me ver. Isso quando eu mesmo não vou importuná-lo." Disse Daniel sorrindo, mas numa feição que não inspirou muita verdade ao seu interlocutor.

"Você precisa arrumar uma mulher que cuide de você, isso sim!"

Neste momento Daniel olhou para Milena constrangido, e ela fingiu não ouvir o que diziam os dois.

"Acho que sou um solteiro convicto, Felipe." Disse ele se levantando do pequeno sofá de dois lugares onde estavam sentados. "Ou melhor dizer que acredito que um dia o amor virá bater em minha porta, e não quero estar preso a alguém apenas para não estar só, entende? Não quero um casamento de fachada, quero um amor de verdade. O que dizer? Sou um romântico incorrigível."

Agora Daniel deu uma risada mais sincera.

Não disse estas coisas para causar constrangimento em Milena, antes queria mesmo fazer saber ao seu irmão que estava sozinho por convicções que, talvez ao tomar conhecimento, ele pudesse aprovar ou ao menos tolerar.

À Felipe pareceu que o discurso tentava afastar a verdade de suas razões, talvez um amor secreto, ou talvez a timidez que pensava ainda aprisionar o irmão o impedia de se relacionar. Pensou, naquele minuto, que deveria fazer alguma coisa para acabar com a solidão de Daniel, ainda que não soubesse como.

Conversaram ainda mais um pouco antes que o aroma do café tomasse o ambiente e desnorteasse a Daniel.

Estava bom o café de Milena e até mesmo Felipe que não era bebedor contumaz repetiu a dose.

Um pouco depois alguém batia à porta. Quando Daniel abriu pôde ver a Ari e Paloma abraçados com um pequeno cartão às mãos. Os fez entrar. A casa minúscula não dava lugar para que todos assentassem no sofá, para tanto havia algumas almofadas sobre um felpudo tapete onde os homens logo se acomodaram, concedendo as duas moças o direito ao sofá.

Logo depois de todos apreciarem e fazerem elogios ao café de Milena, Paloma pediu a atenção de todos.

"Temos um comunicado a fazer, gente!"

Ari se levantou do chão com algum custo e tomou lugar no braço do sofá ao lado de Paloma.

"Quer ter a honra de anunciar, meu amor?" Ela perguntou.

Ari se levantou e com os braços abertos e elevados como se fosse declamar alguma poesia, alterou a voz e disse em tom célebre:

"É com inestimável prazer que vos anuncio que Paloma e eu marcamos a data de nosso casamento para Outubro deste ano!"

Houve uma salva de palmas e todos correram para abraçar os noivos.

Em meio à comemoração Ari se voltou para Felipe e disse em tom descontraído:

"E você acredita que Daniel não quis namorar Paloma, Felipe? Azar o dele e sorte a minha!" E gargalhou.

Disse isso para que Milena, que não sabia daquele caso, soubesse da fidelidade do coração de seu amigo. E Milena pareceu mesmo estar surpresa e sensibilizada com o que ele disse.

Daniel fora convidado para ser padrinho do casamento ao lado de Alice, que agora morava em outra cidade e pouco tinha contato com o pai e nunca mais com Daniel.

Daniel ficou feliz com a notícia, afinal Ari estava radiante e isso lhe alegrava o coração. Tal era a amizade entre os dois. Por outro lado, assim como Felipe, Ari não se conformava com o fato de Daniel viver solitário e nem em que sua filha e ele não tenham ficado juntos. Com o passar do tempo via com bons olhos a união entre eles. E percebeu que Alice começava a apaixonar-se. Não entendia como tão bruscamente haviam se distanciado, e pretendia falar em breve com ele para ver se conseguia renovar as esperanças de que dali provesse outro casamento.


Um Amor ImpossívelOnde histórias criam vida. Descubra agora