Dentro do carro Daniel estava incontrolável; punha a cabeça para fora e gritava incessantemente o nome de sua amada. Ari tinha a preocupação de que chegando em casa D. Joana pudesse ouvir toda a gritaria de Daniel, acordasse e recobrasse a memória do antigo namoro do filho, sabendo-se lá o que poderia acontecer depois; resolveu então, levar o amante incorrigível para sua casa. No caminho foi forçado a parar o carro para que ele devolvesse à natureza um pouco da bebida que havia ingerido.
Quando entraram na casa, Daniel já havia passado ao estágio melancólico da embriaguez. Entrou abraçado ao amigo, quase dependurado ao seu pescoço e sem dominar quase nada da fala, resmungava:
"O que é que eu vou fazer com este amor, Ari? Se eu ainda amo aquela desgraçada... e por que raios foi se casar logo com Felipe? Tanto homem desconhecido no mundo, meu Deus, que casaria e levaria ela para o Japão, e eu nem saberia...por que Felipe? Por que? O que eu fiz para merecer, me diga Ari?" E pegava do colarinho da camisa do professor sufocando-o com o bafo da bebida.
"Daniel faz assim ó, entra no banheiro e toma um banho frio que eu vou lhe fazer um café." Disse ele empurrando o amigo em direção ao banho enquanto este chorava copiosamente. Depois de alguns minutos o café estava terminado e Daniel ainda não havia saído do banheiro; preocupado, Ari aproveitou que a porta havia ficado aberta e entrou para ver o porquê da demora. Daniel estava sentado no chão, dormindo profundamente enquanto a água do chuveiro caía em seu corpo ainda vestido.
Primeiro Ari riu novamente, desejando ter alguma testemunha ou pelo menos uma maquina fotográfica que registrasse aquele momento apoteótico da vida de Daniel, que definitivamente passava à fase adulta, depois acordou o rapaz e lhe deu uma toalha para enxugar-se. Mas que roupa haveria de dar àquela criatura, meu Deus, se ele era duas vezes maior que o minúsculo professor? Então teve uma de suas ideias mais sacanas. Deu-lhe um vestido de sua filha que estava guardado há tempos, desde que ela o havia visitado pela ultima vez. Daniel aceitou a tudo dormindo, e nem sabe como chegou até ao grande sofá na sala de Ari, e ali dormiu a noite toda.
Na manhã seguinte, Daniel começou a acordar, sentindo o gostoso aroma do café que vinha da cozinha. Sua cabeça estava pesada como se carregasse dentro dela um imenso tijolo, os olhos ainda brigavam para estarem fechados, mas ainda assim se levantou com muito custo e foi seguindo em direção à cozinha, quando Ari o viu, deu uma gargalhada.
"Gostou do vestido, meu bem?" Disse ele sem controlar o riso.
Daniel então percebeu o que estava trajando. Um vestidinho florido e razoavelmente curto.
"O que é isso, Ari? E como eu vim parar aqui em sua casa?"
Ari ainda demorou alguns segundos para parar de rir.
"Você não se lembra mesmo? Você me pedindo em casamento, dizendo que não queria mais saber da Milena... Aí pra ficar mais apresentável te dei este vestido!"
"Para de zoeira, me diz o que aconteceu?"
"Toma uma xícara de café, vou te contar."
Depois de contar tudo o que viu Daniel aprontar na noite anterior, Ari o viu, curvar-se sobre a mesa.
"Nunca mais ponho bebida alcóolica na boca, nunca mais." Promessa que ele viria realmente cumprir.
"Você realmente a ama, não é, garoto?" Ari perguntou já sabendo a resposta.
"Você sabe o que é ir dormir toda noite e ter o pensamento na mesma coisa? Fechar os olhos e imaginar o rosto dela sorrindo; os olhos me encarando no escuro; a voz dela a me perturbar com palavras românticas que eu nunca mais ouvirei? Estou preso neste amor, Ari! Condenado a viver eternamente no passado, mas tendo que ser confrontado pelo resto dos meus dias com a realidade. A mulher que eu amo casada com meu irmão!"
Ari se sensibilizava, mas ainda mantinha o tom bem humorado.
"Que é isso, rapaz, você é novo! Vai se apaixonar ainda umas cinquenta vezes!"
Nenhum dos dois tinha certeza disso.
"Você já se apaixonou alguma vez, Ari?" Disse Daniel tentando ajeitar o vestido.
"Me apaixonei uma única vez, Daniel. Por minha ex-mulher. Mas estava fadado a não dar certo! E eu já sabia! Me casei muito novo, e sabia que ela não me amava! Imaginei que com o tempo ela aprendesse a gostar de mim. Aí ela engravidou da Melissa, e as coisas só pioraram com o tempo. Distância, frieza, dor. Tem amor que é impossível, Daniel! E não merece ser alimentado."
Dava para ver, entretanto, que o homem de meia idade não havia feito isso. Vivia ainda a alimentar a esperança de que um dia as coisas mudassem. De que a ex-mulher batesse à porta e lhe propusesse a reconciliação. Por isso, havia retratos velhos de família espalhados pela casa, e não havia também nenhum indício de que ele se arriscara em outro relacionamento desde a separação. Daniel estava se confidenciando com alguém que sabia bem como era sofrer o amor e, percebendo isso, sentia-se muito à vontade com ele.
Ari continuou.
"Quando ela se casou novamente, perdi as esperanças." Era mentira.
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Um Amor Impossível
RomanceA vida às vezes reserva amores impossíveis aos corações dos homens. Daniel foi vítima de uma dessas ciladas. Ainda jovem apaixonou-se por Milena para logo a perder. Um amor que o tempo não apagou e ainda se encarregou de escrever novos capítulos ano...