Yellow

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– Não é tão difícil assim, Austin

Ergui os olhos para a morena, cínico. Eu estava sentado no mesmo lugar do terraço nas últimas três horas, com o caderno e o violão no colo.

– Claro que não, Allycia. É super fácil. Não ta vendo a minha facilidade em fazer isso?

A morena sorriu, se sentando ao meu lado e me tascando um beijo na bochecha.

–é só uma música, Aus. Nada de mais.

Fuzilei-a com o olhar, o que apenas a fez rir. Sorri um pouco. Nos últimos tempos, Ally havia se tornado uma pessoa com o riso fácil e, cada vez que um desses sorrisos era causado por mim, eu podia sentir meu coração se encher de orgulho.

Ela se levantou.

– Não demore para entrar, certo? - ela parou no batente da porta, bocejando - já está quase na hora de ir para a cama.

Assenti levemente, soltando um bocejo ritmado com o da morena.

Assim que Ally entrou em casa e fechou a porta, larguei o violão e o caderno e me estiquei, espreguiçando. Meu pescoço e minhas costas doíam como o inferno.

Estiquei minhas pernas dormentes e me levantei, fazendo-as formigar.

Olhei em volta, tomando um pouco de ar fresco. Estávamos no meio de junho, e o nosso pequeno jardim havia finalmente começado a ficar bonito, expondo orgulhosamente algumas flores amarelas. O verão começava a anunciar sua chegada, e agora já estava quente demais para podermos usar blusas de frio e calças, mesmo a noite.

Olhei infeliz para o caderno de rascunhos quase vazio. Jimmy ficaria irritado. Meu primeiro álbum seria lançado em agosto, assim como o de Ally, e ainda faltavam três musicas para finalizá-lo. Ally também estava ocupada demais compondo musicas para seu próprio álbum para me ajudar. Ela dissera que me ajudaria, mas eu – e minha inteligência rara – recusei, dizendo que podia muito bem escrever algo sozinho.

Eu estava errado.

Bem, não era verdade que eu não tinha nada da musica ainda.

Eu tinha a melodia.

Me apoiei na amurada do terraço, olhando as luzes da ponte do Brooklyn brilhar ao longe. Elas formavam um contraste bonito com as flores, formando uma paisagem de amarelo contra amarelo.

Olhei para dentro de casa. Pela janela de vidro, pude ver Ally na cozinha. Ela cantarolava algo enquanto preparava chá, dançando ao ritmo da própria musica. Assim que viu que eu olhava, sorriu e balançou os dedos em um aceno rápido.

Abaixei a cabeça, rindo, e peguei o violão. Eu já sabia exatamente sobre o que queria escrever.

♥♥♥

– Nervoso?

Sorri levemente, confirmando com a cabeça. Nervosismo, na verdade, era um eufemismo perto do meu eu sentia. Meu coração parecia bater na minha cabeça, querendo sair pela boca. Ally fez uma careta de nojo, soltando sua mão da minha e esfregando-a na barra da sua saia.

Eca, Austin. Sua mão está melada de suor.
Olhei ao redor, nervoso demais para rir. Essa seria a primeira musica que eu mesmo compusera que Jimmy ouviria.

– Então - torci a barra da camiseta nas mãos, ávido por mudar de assunto - Legal o Elliot ter nos chamado pra ajudar a escolher o berço, né?

Elliot, nos últimos meses, pedira transferência para a universidade de NY, para que ele e Cassidy pudessem ter a ajuda dos pais dele.

Ele... Bem, ele estava surtando.

Agora com seis meses de gravidez, Cassidy já estava grande o bastante para ser reconhecida como uma grávida – sua barriga de estava do tamanho de uma bola de futebol. E Elliot, como um bom futuro-pai-de-primeira-viagem, surtava ou chorava a cada vez que o bebê se manifestava.

Às onze da manhã daquele dia, ele havia nos ligado com um tom de desespero na voz. Cassidy, aparentemente, lhe dera a mais que importante tarefa de comprar um berço. Elliot, que não tinha a mínima idéia de como escolher um berço, ligara para a primeira pessoa que lhe veio a cabeça – que no caso, foi Kira.

Mas ela estava ocupada, ai ele ligou pra gente.

– Chegamos - Ally decretou, me tirando dos meus devaneios. Estávamos dentro do saguão da Starr Records, um cômodo retangular decorado com cores primárias. Vi uma garota alta e de pele morena vindo em nossa direção com uma carranca no rosto.

– Vocês. Estão. Atrasados. - Kira falou, notavelmente brava - Meu pai esta uma fera.

– Desculpe, é que.... - comecei, mas ela me cortou.

– Cala a boca e anda logo.

Entramos no elevador, indo direto para o quarto andar. Jimmy nos esperava atrás de uma mesa.

Jimmy era um homem alto e robusto, com a pele em um tom que me lembrava chocolate. Usava um par de óculos vermelhos pequenos, que pareciam discituar totalmente com ele.

– Trouxe a música? - Perguntou ele antes mesmo que eu pudesse o cumprimentar.

– Trouxe, sim. - disse, apertando a alça do violão. Ally deu um dele aperto na minha mão.

– Bem - Jimmy ergueu as sobrancelhas, zombeteiro - Você pretende tocar ela ou eu vou ter que usar minha imaginação?

Senti meu rosto corar. Abaixei a cabeça e andei até um banco, me sentando.

– A musica se chama Yellow - falei, tentando não deixar minha voz fraquejar.
Inspirei fundo e olhei para Ally. A morena levantou o polegar e falou um "boa sorte" sem som. Posicionei os dedos, ainda olhando pra ela, e comecei a tocar.

Look at the stars
Look how they shine for you
And everything you do
Yeah, they were all yellow

I came along
I wrote a song for you
And all the things you do
And it was called
So then I took my turn
Oh, what a thing to've done
And it was all yellow

Ally sorriu, e eu pude sentir meu peito esquentar.

Your skin
Oh, yeah, your skin and bones
Turn into something beautiful
Do you know
You know I love you so?
You know I love you so?

Dessa vez, olhei para Jimmy. Sua expressão estava neutra, mas pelo menos não havia nenhum sinal de reprovação.

I swam across
I jumped across for you
Oh, what a thing to do
'Cos you were all yellow
I drew a line
I drew a line for you
Oh, what a thing to do
And it was all yellow

And your skin
Oh, yeah, your skin and bones
Turn into something beautiful
Do you know
For you I'd bleed myself dry?
For you I'd bleed myself dry?

It's true
Look how they shine for you
Look how they shine for you
Look how they shine for
Look how they shine for you
Look how they shine for you
Look how they shine

Fechei os olhos, me concentrando na musica. A sensação de tocar minhas próprias palavras era inimaginável.

Look at the stars
Look how they shine for you
And all the things that you do

Abri meus olhos, minha visão diretamente voltada para Ally. Era óbvio que ela havia percebido que a musica era para ela. Havia um brilho em seus olhos, e ela escondia um sorriso com a mão.

– Bem - a voz de Jimmy chamou a minha atenção - Não são muitas as vezes que eu digo isso, então aproveite. Parabéns Austin, sua musica é ótima.


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