24. Tudo ou nada?

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Sexta-feira

27 DE OUTUBRO, 2017

Sopro todos os resíduos de borracha para longe. Não está perfeito. E não tenho esperanças de que vá ficar, então não insisto na ideia. Fecho o caderno e o enfio dentro da bolsa ao meu lado, aumentando o volume da música. Eu não sei porque vim logo para este lugar.

Quer dizer, não é o lugar mais discreto do mundo. Todos podem me ver aqui em cima, nos últimos degraus das arquibancadas, assistindo o treino do time. Mas não há um lugar onde eu possa me isolar completamente. Não por agora, pelo menos. É o último horário livre que tenho antes de ter minhas duas últimas aulas. Eu deveria estar no laboratório terminando minha pesquisa, mas convenci meu parceiro de que estava "naqueles dias" e ele foi gentil ao me liberar.

Confesso que fiquei surpresa. O fato de ter quase metade da escola sussurrando "puta" ou "vadia" na minha direção durante o dia todo talvez tenha aniquilado da minha memória a simples lembrança de que ainda existem pessoas gentis e educadas. Não deveria ser assim, não é? Boas ações deveriam pesar mais do que as más.

Não em uma vida desequilibrada como a minha.

Eu não ouvi quando a bolsa se chocou com o metal pois a música está no máximo, mas vi quando o dono se sentou ao meu lado e esticou as pernas por cima da bolsa e me encarou. Não digo nada, apenas tiro um dos fones para mostrar que irei ouvir caso ele fale algo. Mas ele não fala e não muda de posição.

Continuo olhando para frente e só então percebo que o campo está vazio. Quando o time saiu? Parece ter sido há um tempo, já que Justin está com os cabelos molhados e com roupas limpas.

Viro-me para ele, procurando o motivo para ele estar tão quieto. Nada em seu rosto o denuncia. É a verdadeira face de eu não tenho nada a dizer. Isso me irrita. Todos têm algo a dizer ao meu respeito ultimamente. Por que não ele? Por que ele continua agindo como se nada tivesse mudado?

— O que foi? — pergunto. Ele não iria ceder, entretanto, eu não pretendo levar adiante a competição de quem consegue ficar mais tempo sem se mexer.

Tê-lo me encarando faz... não sei bem o que faz, mas me assusta.

Por favor, que ele não pergunte se eu estou bem. É a última pergunta que quero que saia de sua boca.

— Quero ter certeza de como você está.

Ok, não foi uma pergunta, mas tem o mesmo sentido. Dou de ombros como resposta e confiro as horas no celular, esperando que ele continue a conversa. Mas ele ainda espera uma resposta de verdade.

— Como deveria estar me sentindo? — rebato.

— Com certeza não deveria estar se sentindo bem. A não ser que gostasse de toda essa exposição. E como eu sei que você não gosta... — ele deixa no ar.

Como ele sabe que não gosto – o que é algo bem interessante para ele saber, já que nunca o contei –, ele supôs que eu não estou bem. É uma verdade que não planejo admitir por isso dou de ombros de novo.

— O que eu posso fazer? — Ele abre a boca para responder, mas continuo a falar. — É horrível. Eu sei que pode parecer bobo porque muitas pessoas sofrem coisas bem piores todos os dias, mas...

— Ei, pare com isso. — Justin desce uma arquibancada e se vira para mim, tendo mais facilidade para me olhar nos olhos. — Não compare o seu problema com o de outras pessoas. Ninguém acredita que a dor de parto seja pior que ser atropelado.

Franzo o cenho para a sua comparação.

— Já sentiu algum dos dois?

— Não. — a careta que ele faz ao perceber que fez uma péssima comparação me faz sorrir.

Let Me Love You [JB]Onde histórias criam vida. Descubra agora