1. Sorria

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Terça-feira

5 DE SETEMBRO, 2017


Eu estou com medo. Meu corpo está tenso. O susto, a adrenalina. Tudo isso está me deixando nervosa. Não posso – não quero, na verdade – acreditar que eles voltaram. Mais intensos, realistas. Mais dolorosos.

Os pesadelos. Os malditos pesadelos voltaram.

Sacudo a cabeça de um lado para o outro, tentando me livrar da sensação ruim que sinto estar presa a mim. As lágrimas caem durante o banho, e espero que a água gelada leve para longe toda a dor que estou sentindo. Tudo parece quente, muito quente. Fervilhando de emoções e lembranças que eu jurava ter enterrado.

Eu estava tão errada.

Dessa vez a cena foi um acidente de carro. Onde eu esperava para atravessar a rua, mas um carro preto muito familiar curvou a esquina rapidamente, dando duas cambalhotas e parando de cabeça para baixo um pouco distante de mim. Não havia ninguém nas ruas que, por sinal, era uma das principais avenidas de Boston. A porta do carona estava aberta e... ela estava lá, sendo segurada apenas pelo cinto de segurança, sangrando, morrendo. Ela me encarava.

Desligo o chuveiro, pego meu roupão e o visto com rapidez, indo até o meu quarto escuro. Abro as cortinas e a janela, descobrindo que o sol está aparecendo e prestes a ficar cada vez mais forte. Observo a pequena vista que tenho da rua inerte, apenas alguns cachorros latem lá e cá.

Nada de anormal, Allison. Você está bem. Repito mentalmente, diversas vezes, como se fosse mudar alguma coisa.

Tiro meu celular do carregador, vendo as horas no visor. 5:36AM. Meu despertador ainda vai demorar uma hora para tocar. Não quero voltar a dormir, sei que meu cérebro irá me trair e repetirá a cena do pesadelo diversas vezes. Também não posso continuar parada deixando que as lembranças venham à tona. É como o ditado diz: "Mente vazia, oficina do diabo".

Procuro alguma coisa para fazer. Qualquer coisa. Eu poderia cozinhar alguma coisa, tentar alguma receita nova sempre me distrai, mas não tenho nada em mente agora e não é uma hora muito conveniente para cozinhar. Pego papel, lápis e borracha, sento na cama com as costas escoradas na parede e começo a rabiscar o papel sem muitas ideias, inicialmente.

Um prédio. Alto e diferente dos que estão ao seu redor. O prédio é totalmente preto e branco em contraste com as raízes verdinhas e as flores roxas, amarelas e vermelhas que escapam das múltiplas janelas.

Eu não sei o que significa. Não sei o que metade das coisas que acontecem comigo significam.

Apenas desenhei o que surgiu à medida que mergulhei na imensidão perturbada que é a minha mente. É um dos meus desenhos sem um real significado. Isso é preocupante, mas não é raro. Mordo o lábio, o sentindo seco e amargo. Eu quero jogar esse desenho fora. Sei que quando o olhar vou lembrar do pesadelo.

Tomo um susto ao ouvir o despertador tocar e, involuntariamente, solto um suspiro de alívio. Deixo todo o material em cima da cama e vou me arrumar. Arrumo minha mochila da escola lentamente, não colocando nada além de dois cadernos ali. Em seguida me viro para arrumar minha cama que, depois da longa noite que tive, ficou com os lençóis repuxados e coberta e travesseiros jogados para o lado. Escovo os dentes e faço uma maquiagem forte o bastante para esconder as marcas de choro. Pego meu celular e desço a escada de madeira, sentindo e ouvindo ela ranger sob meus pés.

Tomo um copo de água e escolho uma maçã no cesto, sem ânimo para colocar qualquer outra coisa mais pesada do que isso no estômago. Eu sei que, caso o fizesse, logo seria obrigada a jogar tudo para fora. Pego minha mochila e saio de casa.

Let Me Love You [JB]Onde histórias criam vida. Descubra agora