O Livro

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No dia seguinte, meus olhos ainda estavam péssimos, e Viola Beene cismou de ficar ao meu lado a tarde inteira

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No dia seguinte, meus olhos ainda estavam péssimos, e Viola Beene cismou de ficar ao meu lado a tarde inteira. Segundo ela, era uma forma de garantir que eu tomasse todos os remédios direitinho e que ninguém me perturbasse. O problema é que ninguém no mundo perturbava mais que aquela Cara de Coruja.

- Oli! ­- chamou, me cutucando, enquanto lia, sentada na borda da minha cama.

- O que você quer, Beene? - inquiri num tom arrastado. Por que ela não parava de falar e me deixava tentar dormir sossegado?

- Não estava dormindo, estava?

- Não, eu não estava.

- Foi o que pensei. Ouve só isso. "Não acabarão nunca com o amor/nem as rusgas, nem a distância. / Está provado, pensado, verificado. /Aqui levanto solene minha estrofe de mil dedos/e faço o juramento:/ Amo firme, fiel e verdadeiramente." É lindo, não é?

Lindo? Eu achava que o fato de estar praticamente cego me pouparia do pior, ter que ver a cara de coruja sardenta da Beene, mas estava enganado, havia esquecido de que ainda podia ouvi-la. E àquela tarde em especial ela decidira me torturar e, tinha decidido usar uma das piores formas de tortura conhecidas pela humanidade. A poesia.

- Lindo? É uma bela de uma porcaria. - respondi, me ajeitando na cama.

- Porcaria?

- "Amo firme, fiel e verdadeiramente". Isso é brega até dizer chega. - afirmei com uma risada.

- Não é brega, é poesia.

- Odeio poesia.

- Ah, eu tinha esquecido. - ela falou, dando de ombros.

- Esquecido o quê?

- Que sua visão acerca do que é belo é bem distorcida. Espero que isso melhore junto com a conjuntivite. - afirmou, voltando às páginas de seu livro.

"Sua visão acerca do que é belo é bem distorcida.", disse a garota que se vestia com as roupas da tataravó, tinha a cara de uma coruja velha e o sorriso mais esquisito de todos os tempos.

- Você é tão espirituosa, Beene. - ironizei.

- Obrigada! É uma pena que eu não possa dizer o mesmo de você. - retrucou, deixando a cama para sentar-se na poltrona à minha frente.

Ela havia finalmente se calado. Vinte cinco minutos sem dizer uma única palavra, eu havia contado. Era um recorde.

Durante esse tempo me limitei a observá-la enquanto lia seu livro. Havia um momento ou outro em que ela arfava e o apertava contra o peito, depois balançava a cabeça como se tentasse afastar algum pensamento intrusivo e ria baixinho. Nesse meio tempo acabei percebendo que ela tinha algumas manias: arregalava os olhos por qualquer motivo (essa não era tão nova para mim, mas nunca tinha percebido que ela o fazia com tanta frequência), roía as unhas quando estava distraída, mordia os lábios o tempo todo e vez ou outra fazia caretas do nada. Mas como dizem por ai: "Tudo o que é bom dura pouco". Meus minutos de paz terminaram quando sua voz ecoou pelo dormitório:

Viola e Rigel - Opostos 1Onde histórias criam vida. Descubra agora