3 semana depois
Mas espera aí caro leitor, o que eu fazendo é certo? Tipo, sair batendo aí nos outros só porque mataram minha família. E se na verdade eu for o vilão? E se Marcos for o herói? Supondo que exista um Marcos... tudo o que eu sei sobre ele foi o que minha madrasta me disse, mas ela tava doente, e se ela estivesse delirando? E se eu estiver caçando minha própria sombra? Cavando minha própria cova! Sempre achei que eu fosse algum tipo de herói, alguém que as pessoas olhariam nos jornais e falariam: "olha, esse cara é alguém em quem eu posso me espelhar", mas e se na verdade tiverem medo de mim? E se eu estou fazendo tudo isso simplesmente porque eu gosto de bater nos bandidos? E s eu simplesmente gosto de ver eles sangrarem até desmaiarem? E se eu for o monstro? E se eu for o vilão? Eu estou lutando pelo lado certo? Estou certo em não matar? Eles voltam! Sempre voltam! Já até reconheço alguns por rosto, de tantos dentes que eu quebrei, tantos roxos que deixei, tantos ossos que quebrei, tantos comas causados. As vezes acho que estou enlouquecendo. As vezes simplesmente acho que a verdade me bateu a porta...
Penso tudo isso enquanto estou no travesseiro prestes a dormir. Mas o sono não vem. Esses pensamentos estão me roubando a paz há algumas semanas, não durmo há dias. Já até pensei em destruir o uniforme, mas fico pensando que vou deixar de ajudar muitas pessoas. Mas e se elas não quiserem ajuda?
Cansei de ficar na cama, me levanto e vou até a minha varanda. A lua está linda hoje, e surpreendentemente, hoje consigo ver algumas estrelas. Já passa das três da manhã, e amanhã tenho uma prova na faculdade, mas nem estou muito aí pra isso, fui bem nas primeiras provas, com uma nota baixa ainda passo.
Acho que vou até a caverna. Aquele lugar escuro e vazio, de algum modo me traz paz. Talvez pois me faz lembrar meu pai, ele que fez aquilo. Eu gostava muito dele, amava ele. O momento da morte dele foi um dos piores momentos da minha vida. Sempre achei que todo esse treinamento me ajudaria a esquecer, mas a vida me ensinou uma coisa: nem todo o treinamento do mundo vai nos fazer superar a perda de alguém que nós amamos.
A pessoa que mais me ajuda atualmente é Gwen. Aí meu Deus, como aquela mulher me faz pirar! Seu sorriso encanta meu dia, seus olhos me hipnotizam, sua voz me atrai... Ela me ajuda muito, tanto como parceira quanto como amiga. A gente se entende, mesmo ela estando passando por um momento bem difícil, pois seu pai está correndo risco de vida, ela ainda tem olhos pra mim. Quando eu tô co ela eu esqueço de tudo! Esqueço das lutas, esqueço dos planos, esqueço do Sombra... Eu só tenho olhos pra ela nesses momentos que estamos só nós, o mundo para quando meus olhos encontram os dela!
Resolvo descer, mas o único problema é o casal lá embaixo. Mas qual é! Eu treinei furtividade minha vida inteira pra não conseguir passar de um casal dormindo?
Chego na porta da casa deles entro bem silenciosamente, tomando cuidado para não pisar e tocar em nada. Chego na porta do quarto deles. Abro-a bem lentamente, vejo que pra minha sorte eles estão apenas dormindo. Me agacho e vou rastejando até a portinha que me leva para meu refujo, abro com o maior cuidado e desço alguns degraus, após isso fecho-a e desço os outros degraus tranquilamente.
Entro na caverna e simplesmente sento em uma das cadeiras da mesa que agora fica no centro desse lugar escuro, chamo-a de "mesa de reuniões".
Fecho os olhos e lembro da minha mãe... as lembranças que eu tenho dela são bem vagas, mas são boas.
Minha melhor lembrança com ela sem dúvida foi quando, um dia, eu briguei na escola e ela me ensinou uma lição que me guiou toda a minha vida. Lembro exatamente das palavras dela: "Lucas, antes de fazer algo que machuque os outros, reflita e pense se, aquilo no futuro vai machucar você por dentro. O que você vai pensar de si próprio, sabendo que quebrou o nariz de alguém? Pense bem Lucas.".
Isso é algo que me faz refletir nesse momento. Ok, eu mandei um criminoso para a cadeia, mas e se ele tivesse filhos pequenos? Essas crianças vão crescer sem um pai. E toda vez que as crianças perguntarem para a mãe, onde está o pai delas, essa mãe vai chorar, e vai lembrar que o homem que destruiu a infância dessas crianças fui eu.
Pra que salvar uma vida e destruir outra? Qual é o sentido nisso?
E se Rebeca sempre estivesse certa, e se o Sombra for só um canalha espancador? E se o certo a fazer for abandonar o capuz e os bastões?
Rebeca sempre me fala que o Sombra é só mais um babaca que pensa que é melhor que os outros, eu sempre tento defende-lo, mas as vezes, sinto que no fundo ela tem um pouco de razão. E se eu só quero provar pra mim mesmo que sou capaz de bater em alguns ladrõezinhos de merda?
Mas atualmente só existem duas coisas que eu não me imagino sem: Gwen, e o capuz. Não digo o capuz numa forma literária, mas sim querendo dizer que não me imagino sem a adrenalina na veia toda hora que eu vou para uma missão, no prazer que sinto toda hora que tô sentando a porrada em algum bandido, toda vez que ouço alguém pedir por misericórdia enquanto eu o espanco, e eu sussurrar: "não!"... Eu sei, isso é meio assustador e repugnante, mas esse sou eu, mesmo eu não gostando.
Parece que eu sou o Mr. Jekyll, e o Sombra é meu Mr. Hyde*, eu não o quero, mas no fundo eu preciso dele para me sentir vivo.
Tento esconder isso o máximo possível, mas até Leo em algumas missões acha que eu pego muito pesado, eu tento negar, mas depois de alguns dias, vou até o hospital ver se o homem no qual deixei seis ossos quebrados e um pulmão lesionado passava bem... (mais ou menos, isso faz dois meses e ele ainda tá em coma...)
Será que toda essa agressividade é necessária? Será que o Sombra é realmente algo necessário?
*Mr. Jekyll e Mr. Hyde são dois personagens da obra: "O Médico e o Monstro" de Robert Louis Stevenson. Na obra, Mr. Hyde é a parte maligna e repugnante de Mr. Jekyll.
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O Sombra
AzioneLucas era apenas um garoto de dez anos quando viu sua mãe morrer, anos depois também viu seu pai morrer... no meio de muitas descobertas, namoradas, gênios, parceiros, pessoas o odiando, ele tem um objetivo: vingar sua família da Mafia dos Ternos Br...