Talvez agora fosse mais difícil encarar os factos, pois é sempre mais fácil fazê-lo quando as coisas ainda não aconteceram e não passam de meros planos. Agora que eu tinha finalmente aterrado e chegado a este país dos macacos, sentia o peso da realidade cair-me nos ombros. Já não havia volta a dar, e seriam nove meses de angústia passados com Richard no reino das bananas. Tal como há uns meses atrás, odiava a ideia de chegar a um novo lar, só que desta vez tudo era estranho e eu não conhecia absolutamente nada, apenas o cheiro familiar a maresia e o calor que me aquecia o corpo. Os meus cabelos esvoaçaram quando saí da gare de embarque, e eu desejei com todas as forças poder arrancá-los do meu escalpe e esquecer que eles alguma vez foram coloridos e diferentes; isso fazia-me lembrar Michael, e tudo o que eu precisava agora era de esquecer que essa criatura alguma vez passou pela minha vida com tanta intensidade.
O meu estômago doeu quando avistei Richard parado à minha frente, com uma placa na mão que dizia O MEU RAIO DE SOL, CLOE e um sorriso rasgado nos lábios. Os seus dentes pareciam mais amarelos que da última vez e isso enojou-me, mas ainda assim mantive-me em silêncio e parei à sua frente, tentando tornar aquele momento um pouco menos constrangedor.
"Fizeste boa viagem?", ele interrogou, pegando nas minhas malas. Não sabia se era suposto ignorar o facto de ainda o odiar devido ao seu abandono ou se havia de sorrir e tentar dar-lhe graxa de modo a facilitar a minha estadia neste fim do mundo. O meu ego escolhe a primeira opção.
"ENERGÚMENO.", cuspi, sentindo a garganta arranhar-se pelo sufoco das lágrimas que os meus olhos queriam verter.
"Eu sei...", ele baixou o rosto por segundos, deixando a placa de cartão descer-lhe até meio das pernas. Ficámos assim durante o que me pareceram eternidades, mas preferia que assim fosse.
Richard soltou um suspiro quando uma voz feminina soou pelo altifalante, avisando os próximos voos. Há nossa volta existiam milhares de pessoas que corriam e falavam e fingiam que nós não existíamos ali. Talvez fôssemos invisíveis, ou talvez ninguém se importasse que estivéssemos ali a olhar para o vazio das nossas vidas. No entanto, a confusão instalava-se a cada minuto que passava, e isso começava a criar um turbilhão de nervos dentro do meu corpo atormentado. Eu só queria sair dali.
"Podemos ir?", aclarei a garganta, tentando não me mostrar fraca. Richard fitou-me com um sorriso a nascer-lhe nos lábios, e eu arrependi-me imediatamente de ter falado. Aquilo não podia estar a acontecer.
Caminhámos em silêncio até ao exterior do aeroporto e esperámos para que os carros nos deixassem avançar. Não fazia ideia para onde me dirigir, por isso mantive-me sempre atrás do corpo esguio do meu progenitor, que entretanto tinha sacado de um cigarro e o colocado entre os lábios. Foi com perícia que ele o acendeu, expelindo uma onda de fumo para a atmosfera carregada de dióxido de carbono. Aquilo não me agradava, mas permaneci silenciosa, tentando não quebrar a minha postura austera.
"Queres ir diretamente para casa? Podemos parar num sítio qualquer para almoçar ou eu podia mostrar-te as redondezas...", o homem de cabelo preto falou, sacudindo cinza para o pavimento de cimento. Respirei fundo enquanto o seguia até ao parque de estacionamento, vendo a minha mala deslizar pelo chão. "Ou podíamos apenas passear por aí."
"Eu não quero ir a lado nenhum contigo.", rosnei. Quando Richard parou à frente de um automóvel preto, percebi que havíamos chegado ao nosso destino e suspirei. Até agora Richard parecia ter uma vida bastante normal, ao contrário do que eu pensava. O seu carro não estava a cair de podre e até parecia limpo, mas tudo aquilo podia simplesmente fazer parte da sua encenação de Pai Perfeito.
"Eu compreendo que estejas cansada.", forçou um sorriso, carregando de seguida no botão automático que destrancou o veiculo. Entrei para o lugar do passageiro enquanto ele colocava as minhas coisas no porta-bagagens, e cruzei os braços sobre o peito, sabendo que agora não havia nada a fazer para dar a volta àquela situação. O que estava feito não dava para remediar, e agora eu teria de acatar com as consequências.
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Social Casualty II ಌ m.c
Humor❝Eu odeio ter de fazer isto, e desejava somente ficar perto de ti, mas talvez tu tenhas razão. Talvez eu seja realmente errada. Tinha medo que to dissessem, mas ainda mal que não o fizeram. Tu devias tê-lo ouvido, pois talvez assim parasses de me qu...