20| O coração que se fosse lixar

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Partir o meu coração nunca foi tão simples como várias pessoas podiam achar, e acreditem que houve muitas a tentar quebrá-lo, achando que isso me tornaria mais fraca, mas nunca realmente ninguém conseguiu deitar-me abaixo. Aprendi a desligar-me dos dissabores que a vida trás e a ignorar quem me tentava sempre corromper com pensamentos negativos e coisas tóxicas destrutivas, apelando sempre à minha ousadia e irreverência para combater esses demónios e essas armadilhas tão mortais da mente. No entanto, há sempre algum momento em que nos vamos abaixo, e apesar de na maior parte do tempo eu me considerar uma força da natureza, sobretudo por agir como um robô sem sentimentos, não sou exceção à regra. É difícil manter sempre uma postura calma e forte, é difícil ignorar que magoámos alguém de forma tão profunda que acabamos a magoar-nos a nós próprios, e a única pessoa, em toda a minha vida, que me conseguiu deixar assim, neste estado penoso e angustiante, foi Michael. Foi sempre por ele que verti lágrimas, que gritei, que desmaiei em sítios públicos, que me obriguei a sentir coisas que nunca senti. Foi sempre por ele que eu me vi encurralada no labirinto do amor, foi sempre por ele que eu descobria como não sair do caminho. Foi sempre por ele que eu agi como ajo hoje. Sem ele, eu nunca me teria conseguido livrar dos medos e dos demónios, sobretudo nos nossos primeiros anos de vida, quando ainda éramos umas crianças inocentes e tontas.

"Repete lá isso!", Axl exclamou, parecendo furioso com a minha explicação. Kurt olhava-me de forma refletiva, como se absorvesse todas as minhas últimas palavras. Tinha-lhes contado acerca do regresso do meu namorado, ou ex, e da forma como toda a nossa vida foi passada a discutir e a fugir um do outro, algo que não mudou nos dias de hoje. Contei-lhes ainda a forma dura como ele me falou, referindo o nosso historial, e na verdade, depois de tudo o que tinha acabado de lhes dizer, não sabia exatamente se estavam do meu lado ou do lado do rapaz de cabelo platinado, que agora parecia esganado por me mostrar ódio.

"Eu tenho muita pena, Cloe...", Kurt proferiu finalmente, dando-me uma pancada no ombro. O vento levantou-lhe os cabelos, deixando-o incomodado, mas foi rápido a ajeitá-los, passando a palavra ao irmão.

"Pena!? Desculpa, mas se a Debbie me fizesse isso, acho que a metia na minha lista negra! Uma coisa é fugir porque não tem opção, outra é passar uma vida inteira a desprezar-me e a tratar-me como se eu fosse o vilão! O teu namorado tem razões para se sentir zangado, Cloe! Não podes negar que desta vez fizeste merda.", as palavras escapavam-lhe da boca com escárnio e indignação, como se se tivesse realmente colocado no lugar de Michael e estivesse a sentir exatamente aquilo que ele sentia. Por instantes, apeteceu-me chorar.

"Mas ela também não tem culpa!", Kurt defendeu-me, entrando em discussão com o irmão. "Ele é que se sujeitou a isto! A partir do momento em que decidiu ficar com a Cloe já sabia no que se estava a meter!"

"Não sei se te devo agradecer ou levar isso como uma ofensa...", murmurei, concentrada nas mangas da minha camisola. Encontrávamo-nos sentados no passeio à frente do hotel, como se aquele fosse o melhor local do mundo para se ter uma conversa profunda acerca da minha vida. No fundo, só receava voltar a cruzar-me com Michael.

"Olha, Cloe, eu acho que por agora devias esquecer este assunto.", Kurt sugeriu, colocando a mão sobre o meu ombro, num gesto reconfortante. Olhei-o seriamente, sem perceber como raio queria ele que eu fizesse aquilo.

"Sim, claro, vai ser facílimo com ele aqui!", ironizei, cansada da conversa. "Eu acho que devia falar com ele. Uma conversa séria."

"Achas que ele te vai querer ouvir?", Axl questionou, de olhos cerrados. "É que, estando ele com os nervos à flor da pele, o mais provável é essa conversa piorar ainda mais a vossa situação."

"Obrigada pela positividade.", sorri-lhe sarcasticamente, levantando-me. Coloquei as mãos na cintura e respirei fundo, olhando para a fachada do edifício. "Podemos ir?"

Social Casualty II ಌ m.cOnde histórias criam vida. Descubra agora