3.ºMÊS
Só me deixaram sair do hospital quatro dias depois, insistindo que eu precisava de bastante repouso e de conter as grandes emoções, sobretudo por causa do choque emocional que tive aquando do acidente. Toda a gente me tratava como se eu fosse de porcelana, o que ao início até foi agradável mas agora se começava a transformar numa repetição irritante, mas eu não podia queixar-me: tinha pessoas que se preocupavam comigo e que me queriam fazer sentir-me bem, algo que eu achava ser difícil acontecer, mas parece que afinal este acidente veio a mostrar-me várias coisas que eu não sabia serem reais. Uma dessas coisas, por exemplo, foi o meu carinho por Richard, que eu achei nunca vir a existir, talvez nunca sequer num universo longínquo, mas que na verdade sempre cá esteve à espreita. É claro que eu nunca iria admiti-lo em voz alta, mas fez-me falta um pai, e agora que o tinha, só conseguia pensar no quão sortuda era, sobretudo nos momentos em que ele me enchia a cabeça com aqueles nomes foleiros com que me adora tratar ou me trazia o pequeno-almoço à cama todas as manhãs, apenas para me engraxar. Outra das coisas que o acidente me fez descobrir foi que os cactos são plantas resistentes e praticamente indestrutíveis, ou pelo menos o meu cacto do chinês é. Descobri-o numa manhã enevoada, ainda durante a minha estadia no hospital, quando um Kurt sorridente, de braço engessado ao peito e transportado numa cadeira de rodas temporária me apareceu com a planta para me vir visitar. Falámos durante horas, mas não chegámos a conversar efetivamente acerca do acidente, apenas de coisas banais como o que tinha mudado no mundo durante a minha ausência. Também refletimos um pouco acerca do rapaz que acabou por falecer. Kurt tinha conseguido reunir algumas informações acerca dele, mas custava-lhe muito sentir-se responsável pela morte de uma pessoa, apesar de ter ficado provado que a culpa não era de nenhum dos condutores, e ele acabou por me contar várias coisas acerca desse rapaz. Decidimos que iriamos ao funeral dele e que iriamos conversar com a família, mas quando chegou o dia tornou-se tão difícil e tão complicado que acabámos os dois sentados dentro do carro do meu pai a assistir de longe, enquanto uma pequena multidão de pessoas vestidas de negro chorava a morte do seu ente querido.
Agora que o choque inicial tinha passado, eu já conseguia pensar noutras coisas além do acidente e de toda a parte dramática que me envolveu, mas acima de tudo voltar à minha rotina do antigamente. O que mais povoava a minha cabeça eram as questões ligadas a Michael, até porque ele não parou de andar por perto, adiando a viagem de regresso a casa por mais alguns dias. Entretanto, já todo o resto do grupo tinha regressado, até porque as férias tinham terminado e eles tinham de voltar às aulas, portanto acabei por voltar àquela minha solidão exacerbada, só que agora de modo diferente. A minha mãe também ainda não se tinha ido embora para Sydney, insistindo em ficar para cuidar de mim, e de uma forma geral a minha vida começava a assemelhar-se à antiga, só que numa cidade diferente e com algo mais parecido a uma família.
Richard deu guarida a Michael, pois ele não conseguia continuar a pagar a estadia num hotel, portanto cruzávamo-nos todos os dias e, honestamente, era excruciante e doloroso. Melhorava um pouco quando Elsa aparecia e nos distraia a ambos, apesar de continuar a haver um ambiente constrangedor entre nós os três, e só éramos realmente salvos dessa abolia quando Richard fazia uma pausa no trabalho e se juntava a nós. Normalmente, fazíamos alguma destas três atividades: víamos televisão, jogávamos algum jogo de tabuleiro, ou a mais frequente, ficava cada um para o seu lado. A minha mãe no seu habitat natural, ou seja a cozinha – Richard nunca viu a sua casa tão limpinha –, Michael na sala ou na garagem com o meu pai, e eu sempre fechada no quarto, a ler ou a debater-me interiormente, exatamente como neste momento.
"Cloe?", a voz da minha mãe soou através das batidas que deu na porta, abrindo-a suavemente. "Posso?"
"Sim.", respondi, largando o livro que fingia ler. Havia entre mim e Elsa uma certa carga negativa, sobretudo devido à nossa última conversa antes do acidente, a qual nunca voltou a ser referida. Acho que ambas tínhamos medo de tocar nesse assunto, pois as feridas continuavam abertas e cada vez mais difíceis de sarar, mas algo me dizia que a espera havia terminado.
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Social Casualty II ಌ m.c
Humor❝Eu odeio ter de fazer isto, e desejava somente ficar perto de ti, mas talvez tu tenhas razão. Talvez eu seja realmente errada. Tinha medo que to dissessem, mas ainda mal que não o fizeram. Tu devias tê-lo ouvido, pois talvez assim parasses de me qu...