Os dias tornaram-se curtos, escurecendo depressa e com intensidade. No ar, havia uma certa energia cortante que transformava a minha pele em vidro e as minhas emoções em parvoíces melancólicas exageradas, como se vivesse dentro de um filme dramático cujo clímax é ponto assente ao longo da história. Nunca parecia terminar esta enchente de sensações, cada uma mais forte e marcante que a outra, mas por um lado começava a perceber que talvez estas adversidades servissem para moldar o meu carácter, que durante anos viveu fragilizado pelos traumas de uma infância infeliz e desaproveitada. Isto, para o bem ou para o mal, era eu a crescer.
Os meus olhos fecharam levemente quando o rapaz ao meu lado aclarou a garganta, ameaçando iniciar a conversa que durante quase três semanas andámos a evitar, e por um segundo eu desejei ser salva daquele momento, mesmo que ignorá-lo fosse ainda mais grave do que o encarar. Com tudo o que aconteceu, Matty e eu nunca chegámos a falar acerca do nosso momento íntimo e inconsciente daquela noite, e pelos vistos ele andou a tentar evitar visitar-me, sabendo que Michael andava por perto e que o mais certo seria provocar uma luta ou um combate pessoal, mas eu tomei a iniciativa e telefonei-lhe, não conseguindo retirar da cabeça aquele erro. No fundo, sentia-me culpada por tê-lo usado de forma tão imatura e extrema, como se Matty fosse o meu objeto sexual ou a minha escapadela da realidade, por mais que ele gostasse de mim e não se importasse de alimentar a farsa. Eu tinha de colocar tudo em pratos limpos e dizer-lhe que as hipóteses para ele haviam terminado no instante em que Michael me perdoou, portanto tínhamos mesmo de ter esta conversa e despachar as hesitações.
Caminhávamos sobre terra, num parque agradável que eu nunca tinha visitado. Na realidade, ainda existiam muitos locais que eu ainda não tinha visto, sobretudo por causa da minha teimosia em sair de casa e aventurar-me sozinha, mas agora que observava os monumentos e as árvores despidas mas encantadoras daquele enorme jardim, percebia que estava a perder uma gigante oportunidade de conhecer e apaixonar-me de verdade por esta cidade.
"Tens passado bem?", Matty falou finalmente, com a voz desvanecida pelo embaraço. "Com o acidente e tudo isso imagino que não tenhas tido uns dias fáceis."
"Estou a recuperar.", respondi, sem alongar muito o meu discurso. A verdade é que me sentia envergonhada e mal o conseguia olhar nos olhos, sabendo que ele foi o primeiro rapaz com quem dormi e o primeiro a quem iria destroçar o coração. Matty não merecia que algo assim lhe acontecesse, mas no fundo ambos fizemos tudo ao contrário e acabámos por não conseguir evitar. Ele, mais do que ninguém, sabia exatamente no que se estava a meter a partir do momento em que aceitou ficar comigo naquela noite e não podia dizer que eu não o avisei.
"Desculpa não ter dito nada... eu não sabia o que dizer.", confessou, parando abruptamente. Obrigou-me a virar-me de lado, podendo assim encará-lo, por menos vontade que o tivesse de fazer, e suspirou. "Eu sei que para ti aquilo que aconteceu não significou nada... tu nem sequer ficaste comigo a noite inteira. Quando acordei e percebi que te tinhas ido embora, percebi que falavas a sério quando me dizias que não gostavas de mim.", pausou, parecendo refletir. "Mas tudo bem. Eu não te culpo. Tu avisaste-me... eu é que continuei a acreditar. Eu é que insisti."
"Mathew...", respirei fundo, tentando encontrar coragem para ser totalmente honesta e frontal. Não queria magoá-lo, por mais inevitável que isso parecesse ser. "Estás errado quando dizes que o que aconteceu não significou nada... Eu apenas não consegui ser corajosa o suficiente para esperar até de manhã e olhar-te nos olhos depois do que fizemos... Tive medo de te magoar, sobretudo porque inevitavelmente iriamos acabar por ter esta conversa. No fundo acho que foi melhor para ambos termos deixado a poeira assentar... Eu precisei de tempo para digerir as coisas. O que aconteceu significou muito, acredita...", fechei os olhos durante um segundo, respirando fundo para continuar. "Eu nunca tinha dormido com ninguém antes. Tu foste o primeiro."
"Nunca?", pareceu surpreender-se. Na realidade, até eu fiquei surpreendida ao ver a sua reação, pensando que ele soubesse ou que pelo menos desconfiasse.
"Não notaste?"
"Para ser sincero não...", um sorriso floresceu-lhe nos lábios. "Eu fui o primeiro?"
"Sim...", engoli em seco. "Eu queria poder dizer infelizmente, mas até estou um pouco aliviada que tenha sido contigo."
"A sério?"
"Ouve, eu não tenciono envolver-me contigo, Matty. Não gosto suficientemente de ti para que isso aconteça. Pelo menos, não gosto de ti da forma como tu gostas de mim...", mordi o lábio, sentindo um arrepio atravessar-me o corpo. Custava ter de lhe partir o coração, mas aquilo tinha de ser dito. "Eu disse-to várias vezes, a escolha foi tua em não acreditares, e quanto a isso não posso fazer nada... para mim, tu és apenas um amigo. E além disso..."
"Além disso tu ainda amas o teu namorado.", respirou fundo. "Foi por isso que ficaste comigo naquela noite... tu querias tentar esquecê-lo. Eu entendo, quando estamos apaixonados fazemos disparates. Mas, Cloe, eu gosto mesmo de ti..."
"Desculpa.", mostrei-lhe um sorriso apologético, tocando-lhe suavemente no braço. "Eu lamento."
"Não tens de pedir desculpa.", encolheu os ombros. "Só tens de ser feliz. Se é ele que te vai fazer feliz, então é com ele que deves ficar."
"Por enquanto não vou ficar com ninguém.", admiti, deixando-o confuso. "Eu sei... parece estranho da minha parte estar a perder esta oportunidade, mas... posso ser totalmente sincera contigo?"
"Tem-lo sido desde o primeiro dia em que falaste comigo.", riu-se.
"Verdade.", acompanhei-o na gargalhada, olhando depois para o céu escuro. Já não era propriamente cedo, talvez umas nove da noite, e quando Matty apareceu à porta de casa para me vir buscar, Michael e Richard ficaram aparentemente incomodados com aquilo, sabendo que havia a remota hipótese de eu estar a largar tudo por este rapaz, mal sabendo eles que isso era exatamente o oposto do que eu iria fazer. "O Michael e eu conhecemo-nos há muitos anos, desde pequenos, e nunca tivemos uma relação muito estável. Eu gostava dele, mas aparentemente odiava-o e nunca fiz muito para demonstrar o que realmente sentia, enquanto ele passava o tempo todo a tentar agradar-me e a seduzir-me. Mas éramos muito ingénuos... a questão é que eu nunca gostei de mais ninguém na vida e o Michael igual, portanto sempre nos tivemos um ao outro garantidamente. Só que, desta vez, eu descobri todo um mundo para além do Michael e preciso de tempo para me conhecer a mim mesma. Eu amo-o, incondicionalmente, mas neste momento tenho de assentar os pés na terra e encontrar-me."
"Estou a ver.", concordou. "Precisas de tempo.", um sorriso amigável curvou-se-lhe nos lábios, enquanto os seus braços abriam para me envolver num abraço. "O tempo resolve tudo. Promessa de amigo."
"Obrigada, Mathew.", inclinei a cabeça para o fitar, sorrindo-lhe presunçosamente. "Estás oficialmente retirado da lista de pessoas que tenciono enviar para o espaço."
"É uma honra.", sorriu com emoção, deixando-me livre de mais um problema. Agora, só tinha de resolver todos os outros e ver-me completamente pronta para ser feliz. Mas, tal como ele disse, o tempo havia de ajudar.
»»»»»»»»
o que acham da decisão da cloe? ela parece finalmente estar a encontrar uma luz divina de paz e aceitação ahaha
volto daqui a tempo indeterminado (eu vou tentar despachar-me a escrever o próximo capítulo, mas tbh vai ser muitoooo dificil)
um enorme beijinho!!
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Social Casualty II ಌ m.c
فكاهة❝Eu odeio ter de fazer isto, e desejava somente ficar perto de ti, mas talvez tu tenhas razão. Talvez eu seja realmente errada. Tinha medo que to dissessem, mas ainda mal que não o fizeram. Tu devias tê-lo ouvido, pois talvez assim parasses de me qu...