12 - Queimando, parte 1

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Marte; Z-Mil, Agora


Em um momento tudo era um frio azul e no outro tudo era um amarelo¹ quente. E eu estava me debatendo.

Eu quase tinha esquecido totalmente de onde eu estava e quem eu era. Aos poucos meu cérebro começou a registrar que eu era finalmente eu mesma, Claire Blue, em meu próprio corpo. Com minha própria roupa em tons roxos e agora parcialmente gasta e muito suja. Com meu mesmo cabelo curto e muito despenteado.

Enfim, eu era enfim eu.

Lentamente lembrei-me de Ruddy e de "me ver" sendo colocada em um canto dentro de uma sala.

Senti-me como se eu estivesse em um outro necrotério, mas aquele era um necrotério quente e amarelo, porém, eu não via nada além disso. Parecia que eu estava dentro de uma caixa.

Tentei gritar, mas não ouvi minha própria voz.

Me debati da melhor forma que eu conseguia, tentando derrubar o quer que fosse que tinham colocado ao meu lado para me esconder.

Soquei forte o que quer que fosse que estivesse acima de mim e aos meus lados, até cair de cara no chão do lado direito.

Daquela vez doeu. Não era acolchoado.

Rosnei por sempre cair. E de cara.

Com minhas palmas, um tanto quanto arranhadas de tanto socar onde eu estava, usei-as de apoio ao meu levantar, sentindo a calça que eu usava rasgando em meus joelhos.

Eu estava a ponto de xingar o primeiro palavrão que me viesse na mente. Ou uma série deles. No entanto, um cheiro forte me fez inspirar fundo e esquecer momentaneamente qualquer outro problema naquele instante.

Era cheiro de comida!

Quase como um predador, indo atrás da caça, eu aspirei e aspirei fundo o cheiro forte e delicioso daquilo.

Sim, daquilo. Eu não fazia ideia do que era aquele cheiro, mas era bom.

Eu poderia não respirar – voluntariamente – mas sentia todos os cheiros da mesma maneira. Afinal, aquilo especificamente estava associado ao meu estômago. E meu estômago ainda era muito ativo e necessitava de comida o mais rápido possível!

Em pé, eu tateei a parede, dando-me conta que aquele local amarelo era o menor de todos. Era de fato uma pequena caixa. Um cubo. Não importava, mas era quadrado e tão pequeno que eu conseguia abrir meus braços e sentir com os dedos as duas paredes que me cercavam.

Felizmente não bati de cara na parede, mas bati levemente minha barriga em uma mesa.

Parei e inspirei.

Com minhas mãos trêmulas toquei onde minha barriga encostava e me agachei, em uma posição claramente estranha, para tentar tocar no que estava na mesa.

Quando meus dedos bateram em algo, talvez uma tigela, eu até queira suspirar. Eu nem sequer sabia o que estava naquela tigela, mas já estava feliz por somente imaginar que era comida.

Puxei a tigela enquanto ficava em pé normalmente. Receosa e devagar coloquei uma mão dentro dela.

Contanto que não fosse carne humana, à lá Hannibal, estaria tudo bem de resto. Eu não me importaria de comer.

Sem ver dava à vantagem de não temer, mas também dava à desvantagem de temer. Era um complexo, um paradoxo, talvez, mas era exatamente assim que eu me sentia. Com medo e sem medo.

Eu estava com medo do que estava dentro de uma tigela, mesmo o cheiro sendo forte e delicioso. Meu medo era por não ver, mas caso eu visse eu poderia também temer. E não vendo, dava-me à vantagem de deixar todos os meus outros instintos muito mais ativos e propensos a me ajudar.

Balancei minha cabeça e de uma vez coloquei minha mão dentro daquilo.

Meus dedos chocaram-se rapidamente em (o que pude sentir e definir como) quadrados. Tablete.

Tablete lembrava-me à chocolate.

Existia chocolate em Marte?

Eu não sabia, mas não queria mais parar para pensar e temer. Peguei um pedaço e engoli, mal degustei.

Mesmo sem degustar, ele derretia em minha boca, deixando o gosto intenso do chocolate meio amargo, que eu amava.

Eu nunca estive tão feliz por simplesmente comer!

E eu continuei comendo tão desesperada que mal pensava em nada além de experimentar o próximo pedaço.

E do próximo.

Do próximo.

Do próximo.

Qual era o tamanho daquela tigela?

Outra coisa da qual eu não fazia ideia, mas parecia nunca ter fim. Eu pegava um pedaço atrás de um pedaço e assim sucessivamente.

Um barulho alto chamou minha atenção ao ponto de doer em meu ouvido.

Eu não queria parar de comer, estava tão bom ali. Eu não tinha me dado conta do quanto eu queria comer aqueles pedaços de chocolate meio amargo. Minha mente estava parcialmente vazia. Se somente pensar em comida era estar totalmente vazia, ela estava totalmente vazia, se não, era parcialmente mesmo.

Outro barulho adentrou aquele cubículo amarelo.

Primeiro parecia um grito de dor de uma mulher, desesperada enquanto algo quebrava. Depois era um barulho mais brando, de alguém tentando ajudar por meio de gritos, dizendo coisas, das quais, para mim, eram ilógicas.

Ambas minhas mãos estavam agora na tigela, uma a segurava em meu peito e a outra quebrava os pedaços do crocante chocolate branco.

Chocolate branco. Mas não era um chocolate meio amargo?

Peguei mais um pedaço e era novamente o gosto do chocolate meio amargo. Outra vez balancei minha cabeça não entendendo absolutamente nada.

Deixei aquele assunto de lado de minha mente quando os fios do meu curto cabelo caíram em meus olhos fazendo-me parar de pegar os pedaços daquele chocolate para jogar meu cabelo para trás de minha orelha, da melhor forma que dava, sendo agora tão curto.

E mais um barulho. Dessa vez, diferente dos outros.

Em minha mente.

"Queimando"

"Queimando"

"Queimando"

"Queimando"

"Queimando"

Era Ash e ele estava... Queimando?

***


  ¹ A cor amarela significa luz, calor, descontração, otimismo e alegria. O amarelo simboliza o sol, o verão, a prosperidade e a felicidade. 

 

Não esqueçam os votos e comentários. As próximas cenas serão em breve mesmo e bem loucas. Ou seria melhor dizer: mais loucas? kkkk

NOVIDADE, JÁ ADIANTO: Terá POV de Ariana, a única que não teve (sem ser Misha, q é personagem mt novo). E ainda bem q eu n fiz antes, pq encaixei umas coisas aí, q antes n tinha pensado o/


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