Bônus: Guerra, parte 1

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Marte; Z-Mil, Antes


Se você não sabe pelo que você luta, seria melhor nem lutar.

Todos, exatamente todos nós, por mais estranhos que nós podemos parecer ser, lutamos por algo.

Seja por ter algo ou acabar com algo, mas há algo.

Você poderia ser baixo, alto, gordo ou magro, mas terá esse tal de algo pelo qual você lutará em sua vida. Talvez seja uma causa válida, talvez seja uma perdida. Talvez seja uma menosprezada, talvez seja uma exagerada.

A minha causa não era para viver em um mundo sem preconceitos, do qual, a minha aparência, seja ela qual fosse ou qual eu quisesse que fosse, não sofresse represália.

A minha causa, talvez, fosse a perdida. Eu lutava para pôr abaixo Z-Mil e achar meu pai.

Bem, ao menos era isso que eu tinha em mente antes de me chocar com o Caçador da cor verde, para deixar James, Misha, Claire, Lia e Merry fugirem.

– Você até que bate mais forte do que eu imaginava. – zombou aquele Caçador Verde – A Troca não te deixou mais frágil?

Eu estava sobre ele, no chão, pretendo suas pernas com meu peso, dando socos em sua cara enquanto ele batia em meu ouvido, deixando-me levemente surda e cada vez mais irritada.

Ali, naquela zombaria eu percebi que havia muito mais coisas pelas quais eu deveria lutar, independentemente de Marte ser um país sem rótulos e prático, nunca fugiríamos daquilo.

O preconceito.

E quando eu dei outro soco naquele Caçador, do qual eu preferia apenas chamar mentalmente de Verde, eu cuspi de volta:

– Nada me deixa frágil!

Ele riu e cuspiu seu sangue seco e morto em meu rosto.

– Eu acho que se você tivesse continuado como um garoto, estaria mais forte hoje, Ares. – Verde ironizou, dizendo meu nome antigo e puxando meu cabelo.

Meu corpo fora para o lado e de relance vi Luke e Ash lutando com os outros seis Caçadores que aos poucos se levantavam do chão. O chão que Claire estremeceu.

Pensei em meus outros cinco amigos que fugiam e eu esperava que eles estivessem longe o suficiente. No entanto, eles estavam em maior número que nós e tinham Claire, com seus múltiplos poderes.

Eles estão bem! Pensei, quase como uma reza.

Em seus dezesseis anos de idade, o Nascido em Marte poderia trocar seu nome... E seu sexo. Em Marte poderíamos ser literalmente quem quiséssemos.

Eu nunca fora Ares, sempre fui Ariana.

Eu sempre fui uma mulher, mesmo quando algo em meu corpo dizia que não, minha mente dizia que sim.

Delicada como um tijolo, mas uma mulher ainda assim. Não o sexo frágil, não "heterossexual" (como falavam na Terra), não meiga, não vaidosa, mas... E daí? Eu era quem eu quisesse ser.

E eu era uma mulher.

Antes e depois.

Eu não fazia a mínima noção de como Verde – minha mente começava à chamá-lo de "Gosma" – poderia saber, assim, do nada, meu nome antigo e a minha Troca.

"A Troca" era um termo que dávamos em Marte para o processo do qual eu tinha feito.

Não, não era complexo em Marte. Mas não, não poderia ser feito mais de uma vez. Era uma única vez na vida. E na única chance que eu tive, eu não hesitei em fazê-lo.

Eu passei dezesseis anos esperando pelo dia que poderia enfim mudar meu nome de uma vez e fazer A Troca, mas mesmo antes disso, eu já era quem eu sou.

Eu sempre fui quem eu sou.

Eu nasci uma mulher. Meu cromossomo que estava errado. Eu não era XY, eu era XX. Sempre fui, na mente.

O cromossomo era imutável, mas meu corpo, meu nome, minha roupa e qualquer outra coisa era, felizmente, mutável.

A Troca em Marte não era tão incomum, havia uma média de quê 2 à 5% da população marciana havia feito. Os números não eram registrados para nenhuma pesquisa cientifica ou algo do tipo, mas, no fim, era bom saber.

Não, eu realmente não lutava por igualdade. Eu sempre a tive.

Porém, ao ver Gosma sorrir de canto enquanto empurrava meu corpo para o lado e se aproveitava para pular sobre mim e bater meu rosto no chão, eu percebi que eu estava muito, mas muito irritada mesmo.

Não, eu não queria igualdade com ele, eu queria soberania.

E rugi de dor.

Eu estava deitada de cara para o chão e Gosma estava sobre mim, com suas pernas bloqueando os movimentos da minha e suas mãos nas laterais de minha cabeça batendo meu rosto com força em direção ao chão.

Eu tentava virar minhas mãos e segurar os pulsos dele, mas não conseguia, ficava cada vez mais tonta.

– Você. Deveria. Ser. Delicada. – Gosma dizia pausadamente enquanto batia minha cabeça no chão ou fora como soou para mim.

Eu deveria ser delicada?

Então eu seria delicada.

E gritando como se estivesse em uma guerra, eu segurei as mãos de Gosma antes dele bater minha cabeça novamente no chão e torci seus pulsos, ouvindo-o arfar de dor. Quase como se ele, por exemplo, respirasse.

Com impulso eu me levantei do chão, fazendo assim, Gosma chocar suas costas no mesmo. Meu levantar fora rápido, como se ninguém tivesse chocado meu rosto no chão repetidas vezes.

Em pé eu o encarei e nunca detestei tanto uma cor como naquele momento.

Balancei minha cabeça e no exato segundo que ele estava preste a se levantar eu o engarguelei, pondo força suficiente para quebrar seu pescoço, caso eu virasse minha mão.

Sem mais, nem menos, bati a cabeça de Gosma no chão, mas não covardemente como ele. Eu o olhava nos olhos. Estava frente a frente com meu inimigo.

Com seus pulsos quebrados, eu o vi fraco. Vi a cor verde de seus olhos tornarem-se nebulosas e trêmulas.

Como se ele não pesasse nada, eu o levantei do chão usando uma mão e o fiz me encarar. Minha mão livre segurava seu cabelo seboso, deixando sua cabeça firme e próxima da minha.

E sorri.

– Eu sou delicada!

***

Quem vai dizer que ela não é delicada depois dessa?

Sim, algumas revelações aí, que, na verdade, não mudam em nada, mas achei legal acrescentar.

Não deixem de votar e comentar! Terá capítulo a cada dois dias e já estamos perto do fim :(

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