Capítulo 11

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Seria a vida um grande acidente? Jess queria acreditar que nada acontecia por simples acaso. Mas se as pessoas tinham seus destinos traçados, ela se recusava a aceitar que o sofrimento a seguiria sempre. A garota sabia que todos morreriam algum dia e que tudo era transitório. Todos aprendiam, mais cedo ou mais tarde, que as plantas, os animais e as pessoas têm suas próprias jornadas, até que o fim chegasse. Jess odiava a palavra inveja – lhe parecia algo tão venenoso –, no entanto ela não podia negar que as vezes queria ter um pouco mais de tranquilidade como os amigos.

A avó, o pai, Sylvanus... Quantas perdas mais ela teria que aguentar? A mente era atormentada pelas imagens dos amigos sendo assassinados, como no sonho que tivera no verão passado. Pensar em algo ruim acontecendo com a mãe era o suficiente para acordar os velhos monstros. Todos viemos sozinhos e partíamos sozinhos deste mundo, Jess tinha cada vez mais certeza disso.

Parte de Jess gostaria que o seu caminho nunca tivesse cruzado com o livro maldito, mas outra parte sabia que se a obra continuasse nas mãos erradas, muitas pessoas continuariam sendo machucadas. Era difícil não levar para o lado pessoal. Vez ou outra, lhe vinha a ideia de que se ela estivesse morta, nada daquilo estaria acontecendo com os outros ao seu redor. O livro. Foi como se ela tivesse escutado a voz de Hortênsia em sua cabeça.

Andou de um lado para o outro da casa. Os pés estavam inquietos. Estava sozinha? Precisava ter certeza de que ninguém estava ali. Amanda ainda estava no trabalho e tinha algumas horas antes dos amigos chegarem. Ela sabia que muitas pessoas morriam de medo de São Cipriano. Nascera na cidade e passara a vida inteira lá. Histórias eram só histórias? Não, Jess sabia que um livro não era só um livro. Tudo tinha um significado. Havia uma teia invisível que conectava as palavras. Era como magia – não importava se muitas pessoas não acreditavam ou não podiam enxergar, não significava que ela não existia.

Somos responsáveis por nossas palavras, desejos, intenções? Jess se perguntara por que o livro de São Cipriano ainda existia. Se havia tanta maldade dentro dele, como ninguém tentara destruí-lo antes?

Jess foi até o quarto. Sabia o que precisava fazer. Se era o livro que aquelas criaturas queriam, ela daria motivos para que eles deixassem os amigos e a cidade em paz. Ela tirou uma das gavetas e tateou o fundo, até encontrar o embrulho. A adrenalina corria pelos braços dela. Era como quando era pequena e ela estava fazendo algo que sabia que o pai não ia gostar, imaginando a bronca que levaria, mas algo dentro dela a impulsionava a seguir em frente. Jess fechou as cortinas e trancou a porta do quarto. Ela imaginou duas bolas de energia percorrendo do chão até o teto, de um lado para o outro, para ter certeza de que não havia ninguém invisível ali. Quando ela percebeu que era seguro, Jess desembrulhou o livro.

Tocar a capa do livro era suficiente para provocar algo estranho dentro de Jess. Medo? Curiosidade? Raiva? Tristeza? Era como carregar uma Caixa de Pandora. Estava preparada para abrir e me responsabilizar pela maldade que pudesse vir daquelas páginas escritas com tinta envenenada? Energia é como tinta. Deixamos nossas marcas por onde passamos.

Gostaria de ter uma lareira naquele momento, mas o clima em São Cipriano não era tão quente para precisarem de uma em casa, ao menos que você tivesse dinheiro sobrando, como os pais de Léo. Ela encontrou um velho balde de ferro. Era grande o suficiente para colocar o livro. Jess virou uma garrafa de álcool, espalhando bem e, em seguida, jogou um fósforo lá dentro. As chamas subiram pelo balde.

O alívio se transformara em angústia quando o fogo apagou e Jess percebeu que o livro estava intacto. Nem mesmo a capa estava queimada, enquanto o balde estava com algumas marcas escuras.

O Livro - Os Bruxos de São Cipriano Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora