Capítulo 27

744 113 16
                                    



Não se lembrava de quando foi a última vez que eles tinham escrito uma carta, exceto nas aulas de redação do colégio, o que para Jess não contava muito. Jess pediu para que Babi escrevesse. Precisava que tudo saísse conforme o planejado.

Babi segurou a caneta contra o papel. Jess colocou as mãos sobre a cabeça dela e fez as palavras saltarem na mente da amiga. A escrita era uma fonte poderosa de energia e Jess estava envolvida demais e poderia deixar suas intenções se revelarem por causa de Amanda.

Os olhos de Babi ficaram brancos e a mão dela começou a se mover. A caligrafia de Babi era delicada, devido às insistentes aulas de caligrafia que Belinda pagara para ela – mesmo sob controle de Jess, a caneta se movia mantendo a simetria – sua letra era pura arte. Uma garota deve ter uma letra bonita. Jess podia ouvir a voz insuportável da mãe da amiga em sua cabeça, sempre soltando comentários maldosos e generalizando tudo. Por um segundo, ela desejou que Lónan tivesse levado Belinda no lugar de Amanda. Seria um favor à humanidade, o pensamento sombrio passou por Jess. Nada era bom o suficiente no mundo de Belinda. Toda a pressão que Babi aguentara refletia em sua aura. Mesmo quando Babi não dizia, Jess podia sentir.

Não é mentira, se até mesmo Babi acha que é verdade enquanto escreve, pensou Jess. Uma ação errada e a vida de Jess mudaria completamente. Viver sem o pai e a avó durante um bom tempo lhe parecia um pesadelo do qual não conseguia acordar. Quando Tomás e Sylvanus se foram, a garota tinha mais certeza ainda de que ninguém estava a salvo das garras da morte. Não era como se já não soubesse disso, mas uma coisa era ler em um livro, assistir a um filme ou escutar da boca de alguém contando sobre como perdas eram difíceis, outra, era sentir na própria alma.

– Tudo pronto? – perguntou Léo, mantendo aberta a porta da casa de Jess.

As palavras de Léo quase desconcentram a namorada, que por um segundo riscou a carta. Jess continuou em silêncio, ajudando a guiar Babi.

Quando Manu abriu a porta, Léo o puxou e fez um sinal para que ele aguardasse.

Babi terminou de escrever a carta e acendeu uma vela vermelha. Com a cera, ela usou para selar o papel do envelope branco. Seus olhos voltaram ao normal e ela abriu um sorriso.

– Terminamos por aqui... – Jess e Babi disseram ao mesmo tempo.

– Muito bem, meninas... – Manu parecia mais ansioso do que de costume. – Agora, precisamos fazer essa carta chegar até as mãos certas e nos prepararmos. Tudo pode acontecer.

– Que os deuses nos abençoem... – sussurrou Jess.

Eles traçaram um círculo no chão e deram as mãos. A cada vez que conectavam seus poderes, eles viam que alguns limites eram facilmente ultrapassados pela magia. Teletransportar um objeto parecia algo complexo, até mesmo nas histórias de fantasia que Manu tanto gostava de ler.

***

Natasha escutou um barulho estranho no quarto em que ficava o altar e foi até lá. Lónan e Amanda estavam compartilhando suas memórias. Anna costumava ser o tipo de garota que sabia se divertir, mesmo quando o mundo parecia um caos. Ela dançava no meio do furacão e carregava uma tempestade em seu peito. Eu nunca vou conhecer outra pessoa como ela. Não me leve a mal, Amanda, você é mais interessante do que eu imaginava. O problema não é você, sou eu.

Isso vai dar merda! Natasha não via a hora de ir embora de São Cipriano. A solidão a incomodava e o irmão não deixaria ela se aproximar dos jovens, mesmo que quisesse. Ela estava cansada de viver sob as regras de Lónan, que se comportava como um mimado. Fazia anos que Natasha não acreditava que a idade era indicativo de maturidade emocional – mais de 100 anos convivendo com o irmão fazendo as mesmas besteiras de sempre foram suficientes para entender que algumas pessoas não mudavam suas naturezas e as expectativas só levariam a frustração. Por que eu ainda estou aqui? Era uma pergunta que girava em espiral na sua mente e a levava para um lugar escuro. Como seria minha existência sem Lónan? Seria cheia de liberdade ou vazia?

O Livro - Os Bruxos de São Cipriano Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora