Capítulo 23

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Algo estranho acontece quando você perde o controle do seu corpo, pensou Manu. Era como se ele estivesse no quarto e ao mesmo tempo não estivesse. Ele conseguia escutar as vozes ao seu redor. O choro dos pais foi o sinal de que ele precisava para se dar conta de que as coisas não estavam saindo tão bem como imaginara. Ele queria simplesmente juntar o seu corpo astral com o seu corpo físico e sair dali, mas não era como se ele tivesse feito uma simples viagem astral. Manu batera a cabeça com tanta força no chão, que sentiu como se fosse um velho computador sendo arrebentado – tudo ficou escuro e só se deu conta do que havia acontecido, quando por alguns instantes o seu corpo físico tivesse se fragmentado e seu espírito tivesse se desprendido.

A enfermeira andava de um lado para o outro do quarto. Ele tentou encostá-la, queria avisá-la de que ele ainda não estava pronto para partir.

– Por favor, ainda não... Me deem mais algum tempo... – sussurrou Manu, provocando leves descargas elétricas no corpo da mulher.

Manu quase cuspiu o coração quando viu os três amigos entrando no quarto e se deu conta de que a enfermeira não estava enxergando eles. Talvez não fosse tarde demais.

***

– Babi, você pode por favor tirá-la daqui? – pediu Jess com impaciência.

A amiga entendera na hora. Estavam sem tempo. Babi abriu a mão e fez a porta abrir e fechar sem parar. O copo de vidro escorregou da mão da enfermeira e caiu no chão. Como uma criança que tem medo de escuro, ela saiu correndo para fora do quarto, até que a porta se fechasse de vez.

– Jogue uma magia na porta para que ela não abra. Temos que terminar o que viemos fazer.

Léo se concentrou e envolveu a porta com sua energia, como uma super cola que impedia alguém de abri-la. Jess fez um sinal para que Babi e Léo se aproximassem. Jess abriu o livro maldito. Um pombo pousou na janela. Era o sinal de que ela precisava para seguir em frente.

Jess esticou o braço e o pássaro voou até ela. Concentrada, ela recitou em um estado de transe:

O sopro de vida, o fogo nas veias

Um espírito pousando na terra, enquanto outro mergulha

Nesta dança de luz e sombras

Algo se vai, para que algo possa voltar

Babi passou um punhal para Jess. Ela olhou para a ave indefesa em suas mãos, sem ideia do destino que a aguardava.

– Me perdoe... – sussurrou Jess, enquanto abria o peito da criatura. Estava com sangue inocente nas mãos.

– E agora? – perguntou Léo.

– Eu preciso que vocês me ajudem a curar Manu e manter o espírito dele por aqui. Desde o acidente, foi como se ele tivesse perdido uma parte dele. Eu não suportaria perdê-lo.

Babi abriu a boca de Manu e visualizou a energia do vento circulando dentro dele, enquanto Léo usava a energia do fogo para acelerar a cura.

Enquanto os amigos estavam de costas, Jess mergulhou os dedos no peito da ave esfolada e drenou a energia do sangue dela. Os respingos vermelhos subiam pelo quarto do hospital e giravam ao redor de Jess. Eu estou parecendo uma maldita vampira, Jess pensou amargamente na ironia e os olhos ficaram vermelhos quanto mais sentia a raiva queimar o coração dela e se lembrava de que nada daquilo teria acontecido se Lónan e Natasha não tivessem fugido com sua mãe. Quanto mais ela e os amigos tentavam ficar na luz, mas eles eram arrastados para a escuridão. Uma morte por outra. Toda forma de magia sempre cobrava seu preço.

O Livro - Os Bruxos de São Cipriano Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora