Jess mal conseguia ficar parada na carteira. O professor ficava falando sem parar e tudo o que ela mais queria era estar fazendo as coisas que precisava. Como ela poderia dizer que precisou faltar aula, por que de algum jeito sua mãe havia sido sequestrada por criaturas sugadoras de energia? Ninguém acreditaria nela. Ela olhou para o lado e viu Babi anotando o conteúdo toda concentrada e do outro lado, Léo balançando os pés sem parar.
A sala estava tão dispersa e conversando ininterruptamente, enquanto o professor de história continuava dando a explicação, fingindo que não era um problema dele. Ele sempre ressaltara que assistia a aula quem quisesse, que quem estava pagando as aulas eram os pais deles e que eles deveriam valorizar mais.
– Os egípcios acreditavam que os conhecimentos encontrados no Livro dos Mortos poderiam ajudar os espíritos dos mortos na vida após a morte. Os feitiços, rituais e orientações eram úteis para que eles soubessem quais caminhos seguir, como se comportar diante de diferentes deuses e como alcançar o paraíso. Os antigos acreditavam que, durante o julgamento, aqueles que tinham um coração bom e leve como a pluma de Ma'at, Deusa da Justiça, iriam para o paraíso, enquanto aqueles que tinham o coração ruim e pesado, teria a alma devorada pela criatura Ammit, devoradora de mortos.
Babi levantou a mão e perguntou:
– Quer dizer que só as pessoas boas poderiam ir ao paraíso?
– De jeito nenhum. Aqueles que conhecessem os feitiços, poderiam agradar os deuses e conquistar não só o perdão, como teriam suas almas salvas.
– Isso não me parece tão justo... – resmungou Jess, de braços cruzados.
– As tradições dos livros malditos permanecem presentes em diversas culturas. Alguns de vocês talvez não estejam completamente familiarizados com a história de São Cipriano. Há quem acredite que o seu livro era capaz de trazer os mortos por meio da magia negra – respondeu o professor, passando por Jess, Babi e Leo, provocando arrepios neles, como se eles soubessem dos segredos que eles guardavam.
Faltavam 20 minutos para a aula encerrar quando a porta se abriu. Jess se arrepiou toda. A sala toda ficou em silêncio e só respirou com tranquilidade quando viu quem era.
– As lendas sobre zumbis existem em quase todas civilizações... – o professor apontou para Manu, não por que ele tinha se recuperado do acidente e ficado entre a vida e a morte, mas por saber que ele adorava aqueles assuntos. – Talvez Manu possa nos ajudar a dizer o que ele viu do outro lado.
– Que brincadeira de mal gosto! – gritou Léo, de forma que todo mundo se virou para ele. – Deve ser engraçado zombar da morte, quando não é você que chegou tão perto dela.
Babi foi até o namorado e apertou o ombro dele.
– Cara, você precisa relaxar. Todo mundo está olhando.
Léo viu Manu caminhando em sua direção. Geralmente, ele se sentava na frente, mas naquele dia alguém estava sentado em seu lugar e ele não queria chamar mais atenção. Manu conseguia escutar os colegas de sala fofocando coisas maldosas, como "eu jurei que ele não sobreviveria".
– Mais um dia na minúscula São Cipriano... – disse Manu para Léo, enquanto os olhos se enchiam de lágrimas. – Sempre torci para que algum dia pudesse sentir qualquer pingo de emoção boa por eles, mas a verdade é que algumas pessoas não melhoram nunca.
– Não ligue para esses idiotas – Léo elevou o tom da voz para que os colegas escutassem.
Algum tempo depois, o professor conseguiu atrair a atenção da sala, ao fazer uma mini revisão do conteúdo que iria cair na prova. Assim que o sinal tocou, Jess deu as costas para o professor e foi até Manu.
– Você está se sentindo melhor?
Ela beijou os lábios dele e os alunos ficaram gritando, até eventualmente saírem da sala.
– Estúpidos... – resmungou Babi, fazendo com que Léo abrisse um sorriso no mesmo instante.
– Eu vi Petrus ontem... – Jess começou e os amigos ficaram inquietos. – Eu consegui conquistar a confiança dele.
Jess abriu a mochila e tirou o livro grosso deixado por Petrus. Babi olhou com surpresa para o objeto, passando seus dedos pelas páginas envelhecidas e pelos detalhes de relevo de madeira na capa. Não era preciso que ela tentasse captar as energias da magia da natureza presente nele, para saber que o livro do druida era totalmente o oposto do livro maldito.
– Isso se parece com o livro que eu vi na sua casa, Manu – disse Léo, deixando o rosto do colega todo vermelho.
Manu engoliu em seco.
– Não me olhem com essa cara. Petrus me pediu para manter segredo. Vocês me conhecem. Não sou muito bom em quebrar promessas.
– Ninguém está questionando sua lealdade, Manu... – respondeu Babi.
– Gente, precisamos falar rápido. O intervalo passa voando. Vamos até o pátio. Alguém pode nos escutar aqui.
Os quatro andaram pelo corredor. Eles encostaram próximo à estátua de São Cipriano, um local que os outros estudantes costumavam evitar, pois geralmente estava repleto de pombas, mas não naquele dia em que a neve caia. Com exceção dos quatro e de alguns estudantes que tinham relacionamentos secretos e aproveitavam o frio para se conectarem longe do olhar dos outros, o pátio estava vazio.
– Tenho boas notícias... Um livro por um livro. Estamos livres daquela coisa maldita – disse Jess, não conseguindo esconder a felicidade em seu rosto.
– Você fez o certo – respondeu Léo, deixando o ar escapar.
– Eu tentei avisá-los, quando eu estava do outro lado, mas sempre que eu tentava falar, era como se algo interrompesse a comunicação – lamentou Manu.
– Aquelas criaturas tentaram entrar em nossas peles. Não se sinta mal, Manu. O importante é que estamos bem e agora temos a oportunidade de colocar as coisas no eixo mais uma vez – Babi deu uns tapinhas no braço dele.
– Eu quero acreditar que Lónan e Natasha vão nos deixar em paz, agora que o livro não está mais aqui, mas tenho um pressentimento de que não será tão fácil – disse Manu, de olho no horário. Ele já havia perdido aulas demais.
– Só quero minha mãe de volta. Se eles não fossem nos atormentar, não ia me importar que ficassem na cidade, mas nós sabemos que criaturas movidas pela maldade nunca param – Jess abraçou Manu.
Os quatro foram andando de volta para sala de aula, mas depois daquela rápida conversa, era como o presente tivesse se diluído nas expectativas do futuro tão próximo.
– Eu tenho uma ideia do que nós podemos fazer – disse Jess, esquematizando tudo em sua cabeça e se preparando para contar para os amigos o que fariam.
Eles não necessitavam dos poderes da bruxaria para atrair a atenção dos vampiros. Bastavam as palavras certas, pensou Jess. Se toda escrita tem intenção e direcionamento de energia, não deixa de ser uma forma sutil de magia. Uma boa e velha carta daria conta do recado. Só precisavam fazê-la chegar até as mãos do destinatário certo, ainda que eu mesma tenha que entregar para ter certeza de que Amanda ainda está bem.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Livro - Os Bruxos de São Cipriano Livro 2
FantasíaLivro 2 da série Os Bruxos de São Cipriano. Uma vez iniciados no caminho da magia, a amizade fortalecida dentro do círculo se vê mais uma vez ameaçada diante dos segredos e do desconhecido. Assim como os laços de energia se transformaram e poderes...