Segredos

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Quando acordei, Carlos já havia ido embora

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Quando acordei, Carlos já havia ido embora. Eu fitei o teto, relembrando o dia anterior e me perguntando onde havia dado errado exatamente. Eu não podia afirmar que era apenas a minha inexperiência no assunto ou se ela não se atraía por mim. Eu queria tanto que aquilo fosse recíproco, que apenas a ideia de ser algo unilateral já me afetava e preocupava.

Era uma mistura de ansiedade e medo. Era temer e desejar ao mesmo tempo. Eu queria brincar com o fogo, mesmo com o risco de sair queimada. Miranda estava mexendo com a minha cabeça. Suspirei, exasperada, enquanto jogava o edredom pro lado e seguia irritada para o banheiro.

— Você tá horrível — declarei à menina com hematomas em volta dos olhos castanho. O cabelo estava opaco e a pele sem viço. Eu parecia doente.

Eu estou doente!, confirmei para mim mesma. Não era algo físico, mas era real e me afetava em vários aspectos.

Enquanto escovava os dentes, olhava minhas notificações no Facebook e mandava bom-dia no grupo da família, eu estava me sentindo inquieta. Enquanto trocava a areia do gato, não o tinha treinado, mas parecia que ele havia aprendido a usar a caixa de areia sozinho. Deveria ser instintivo enterrar suas obras fedidas na terra, mas ele ainda fazia xixi no chão. Continuei inquieta enquanto colocava sua ração e leite, enquanto tomava banho, e até enquanto comia. Meus pés batucavam o chão, tremendo a perna, enquanto enfiava o cereal garganta abaixo.

No domingo meu pai não abria a padaria. Era nossa folga. André sumia mais os amigos, meu pai ficava na cozinha, fazendo vários pratos que a gente descongelava ao longo da semana para se alimentar. E eu, bem, eu na maior parte das vezes ia fotografar. Parecia sempre haver algo novo no mesmo ambiente. Como se mesmo que eu fosse dez vezes ao mesmo local, eu ainda conseguisse achar um ponto de vista inerente ao que eu retratara antes.

Mas naquele dia nada me distraía. Eu estava impaciente, agitada, como se algo estivesse coçando em mim e eu não pudesse alcançar. Aquilo estava me matando e eu sabia exatamente a causa. Tinha um rosto e um nome.

Eu havia terminado de tirar a mesa e estava lavando a louça, enquanto meu pai colocava a lasanha no forno. Ele parecia mais um escritor fracassado do que um padeiro. Seus óculos de aros finos escorregando do nariz, um relógio com pulseira de couro no pulso, tênis brancos e calça jeans. Às vezes ele pendurava os óculos na gola da camisa e os ficava procurando.

Apesar de vivermos a vida toda na mesma casa, éramos perfeitos estranhos. Eu sentia falta dele. De quem ele fora. Mas nada ali voltaria a ser a mesma coisa. Tudo havia mudado. Para sempre.

— Posso ajudar? — indagou, se virando em minha direção. Eu não havia notado, mas o estava encarando, enquanto tinha pensamentos tristes a seu respeito. Sacudi a cabeça, negativamente. — Quer ajudar, então? — ofertou, com um sorriso sem mostrar os dentes, as rugas em torno dos seus olhos o deixando doce.

— Melhor não, o forno ainda fede a queimado e perdemos aquela frigideira para sempre. Era da mãe, ela adorav... — Eu me cortei. Meu pai ficou rígido, o clima quente ficando enregelante, estranho. Eu engoli em seco e ele pigarreou, tentando voltar à sua postura relaxada de antes. Acho que eu estava me especializando na arte de quebrar climas agradáveis. 

E eu estou bem amarga hoje...

Naquela casa era proibido falar da minha mãe. Não tinha fotos dela, nem roupas, nem presentes... nada que foi ou veio dela. Tudo fora destruído, assim disse meu pai. Mas, quando eu estava fazendo uma faxina na garagem, um dia, encontrei uma caixa, e, quando abri, estava cheio das coisas da minha mãe. Tudo ali, conservado. Não contei a ele a minha descoberta, mas peguei um dos retratos. O que ficava em meu criado-mudo hoje em dia. Era uma foto de quando eles ainda eram felizes, em que havia apenas sorrisos e beijos dentro de casa. Meu pai sabia que eu tinha descoberto a caixa. Mas se tornou nosso acordo tácito, ele não falava do retrato e nem eu falava de suas lembranças encaixotadas na garagem.

— Me desculpe... — murmurei, em um fio de voz. Ele assentiu com um inclinar de cabeça, mantendo os olhos baixos enquanto cortava os temperos em uma tábua de madeira.

***

PARA TUDO!!! Olha p esse gatinho. Nem acredito que ele estava no Tinder!!!

Cadú me enviou um print de sua tela mostrando o tal menino que ele encontrara.

Tem certeza que não é fake?

Respondi, desconfiada. Era bonito demais. As fotos pareciam profissionais, como um modelo de capa de revista. Os cabelos caiam negros e perfeitos, os olhos verdes chamativos, o nariz aquilino e a boca bem feita. Um Tumblr boy.

Claro q eu tenho. Já nos falamos p skype. E ele t uma moto e eu sei consertar motos. Nascemos um p outro. Estou pensando nos nomes dos nossos filhos :D

Cadú me enviou uma foto do super modelo com uma plaquinha contendo o nome " Carlos Eduardo".

Apesar de sua família desconfiar e a cidade comentar, ninguém sabia abertamente sobre Cadú. Seu pai era muito intolerante e em uma cidade pequena onde tudo virava noticia, era mais difícil ainda. Meu pai parecia saber, mas nunca me disse nada e nem tratou Cadú mal ou diferente.

Nossa, ele é lindo demais, Cadú. Tem certeza q n é heterossexual?

Eu brinquei, tentando lhe deixar com ciúmes.

Lindo e MEU, queridinha. Sai que eu vi primeiro '-'

Sorri.

Naquela noite, Cadú apareceu em minha casa com um olho roxo e o lábio inferior partido.

MirandaOnde histórias criam vida. Descubra agora