Recomeço

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Eu fiquei decepcionada quando abri o envelope. Eu pensara que ela havia feito algum bilhete para mim, que haveria uma mensagem sua escrita à mão. Mas tinha apenas um cartão desejando feliz aniversário. Um cartão vagabundo de aniversário!!! Eu nem poderia saber se o meu nome assinado embaixo era com a letra dela.

Tinha também um anel prateado e uma corrente dentro do envelope. Era liso e comum, assim como a corrente também prateada. A raiva, a decepção e uma ira me engolfaram por completo. Senti vontade de rasgar seu maldito cartão de aniversário, de chutar os móveis do meu quarto. A raiva veio rápida e me assolou, fazendo-me ranger os dentes e apertar os punhos, mas depois ficou apenas o cansaço. O revolta se foi e deixou apenas a decepção. Me deitei na cama e empurrei seu presente idiota para o chão.

Eu vou esquecer a Miranda. Ela não me merece. Eu fico aqui, isolada como uma imbecil, achando que ela vai aparecer de repente e iremos ser felizes para sempre...

Eu sou uma palerma...

Apertei minha cabeça com as mãos. Ela seguia sua vida. Mesmo com a decepção que teve com a mãe biológica, ela ainda era amada por sua família. Treinada pelo tio, namorava um cara estudioso e rico, tinha uma mãe e um pai amorosos. Eu não era nada na vida dela. Fui apenas uma atração fulminante, rápida que ela teve quando ficou aqueles dias ali. E eu, apaixonada e idiota, me declarando para ela!

Argh!

Eu não sabia se sentia mais raiva de mim ou dela. Estava tão confusa. O véu de ilusão finalmente caindo dos meus olhos, eu podia ver tudo agora. Eu via que fui apenas uma distração para ela. Mas ela não foi isso para mim. Eu a queria tanto que nem me preocupava com nada. O que meu pai iria pensar de mim? E a cidade inteira de Gabriel Alencar? Eu estava tão obcecada por Miranda que nem via as consequências bem diante do meu nariz.

Enquanto ela deveria estar em casa, se preparando para um almoço familiar feliz, eu e meu pai mofávamos sozinhos e iludidos por mulheres egoístas. Aquilo seria cômico se não fosse tão deprimente. Lembrei-me do bilhete no chão e me inclinei na cama e o peguei. Abri o pequeno papel branco e dobrado. Havia um endereço nele. Por que ela me dera o seu endereço? Eu não iria jamais na casa dela me humilhar por sua atenção. Talvez da primeira vez que ela me abandonou naquele mesmo quarto eu tivesse ido. Mas ainda bem que não abri essa porcaria!

Rasguei o papel e o cartão em pedacinhos, jogando no chão e na cama. Minha vontade era de queimá-los, mas não tive coragem.

Coloquei a mão na testa, enquanto olhava o teto. Eu tinha que parar de me ilhar. De afastar as pessoas de mim, de recusar convites. Eu precisava me tornar outra pessoa. Eu me isolava em uma bolha mais um único amigo, dependente dele, confiando apenas nele. Afastada de meu pai que era tão solitário quanto eu. Meu irmão fizera a família dele. Estava feliz apesar de ser tão jovem e ter sido inconsequente. Eu faria à minha maneira. Estudaria e entraria em alguma faculdade distante. Iria viver a minha vida e bem longe dali.

Eu gostaria que Cadú fosse comigo, mas achava difícil que ele saísse de Gabriel Alencar junto a mim. Seus sonhos eram outros. Ele era extremamente apegado à família. Apesar de seu pai não aceitar sua orientação sexual, a família inteira o amava. Eles trabalhavam juntos na oficina. Eu invejava Cadú e a sua família grande. Invejava tanta gente...

— Caramba! Chega! — Levantei-me e segui pro banheiro. Tomei um banho e fui para a cozinha, comer alguma coisa.

— Viu o passarinho verde? — seu Vítor indagou, enquanto eu lavava a louça do almoço cantando.

— Ninguém pode ficar feliz nessa casa? — perguntei, sorrindo enquanto passava o rodo na pia.

— Depende do porquê. Preciso conhecer alguém? — me sondou.

Eu estava animada e empolgada com os planos que fizera durante o banho. Eu sabia que se estudasse bastante poderia tirar uma boa nota. Estava vendo que curso eu iria fazer. Imaginando se a minha vida na faculdade seria como nos filmes. Drogas, cerveja, sexo e festas. Eu queria muito seguir em frente. E já estava me sentindo feliz, imaginando várias coisas pro meu futuro. Fazendo planos.

— Não. Apenas estou animada que tudo esteja entrando nos eixos. — Ele assentiu, olhando ao redor à procura dos óculos. Apontei para a gola de sua camisa e ele pegou a armação, encaixando no rosto.

— André vai fazer falta — meu pai falou roucamente, olhando para a cadeira onde André costumava sentar.

— Pai, o senhor já pensou em... seguir em frente? Sabe, já faz muito tempo desde que...

— Não quero falar sobre isso — cortou-me.

— Mas você precisa! — Insisti, subindo o tom de voz. Meu pai esbugalhou os olhos.

— Alexia, me escute... — começou a falar, limpando as lentes do óculos com um lenço branco que sempre levava no bolso da camisa de botão.

— Não pai, me escute o senhor! Não pode continuar sofrendo por uma mulher bêbada que o abandonou com os filhos a tiracolo. Você foi e é um pai perfeito. Pode seguir em frente. Deve! — gritei, o cortando. As palavras saindo num jorro. Ele estava com o rosto pálido, me encarando de forma assustada.

— Alexia, eu não quero conversar sobre isso com você. — Tentou fugir novamente.

— Certo. — Me encaminhei pras escadas, descendo de dois em dois degraus.

— Ei o que vai fazer? — questionou atrás de mim enquanto me seguia.

— Livrar o senhor dela!

Disparei rapidamente para a garagem e meu pai veio em meu encalço. Olhei a estante empoeirada de metal que ficava encostada na parede. Peguei a caixa de papelão e atirei no chão, o barulho de vidro se quebrando ressoou no ambiente.

— NÃO! — meu pai urrou como um animal ferido, colocando a mão na cabeça.

— O senhor acha que ela vai aparecer nessa porta totalmente recuperada? Ela não vai! Ela é uma bêbada que nunca mereceu o senhor, se liberte pai. Esqueça ela.

Eu não sabia de onde eu havia tirado tanta coragem. A revolta me dominando, a raiva minando do meu peito. Senti as mãos tremerem. Meu pai se jogou no chão, tentando pegar suas lembranças de volta.

No fundo eu era como ele. Olhando a foto da minha mão ao lado da cama, sonhando com o dia que ela iria parecer em casa. Bonita e saudável. Meu pai e ela se beijariam e seríamos uma família feliz novamente.

— Pai, chega de vivar no passado. Ela não vai voltar. Nunca mais. — Ele me olhou do chão, seu rosto frágil. Então a ficha pareceu cair. Os anos de negação ruindo seu corpo. Ele olhou os quadros que segurava nas mãos e então os largou no assoalho. Levantou-se e saiu da garagem. Eu olhei aquela cena como se eu nem estivesse ali, como se eu fosse uma expectadora.

Arrumei uma sacola preta e coloquei todo o conteúdo no lixo, inclusive o quadro que ficava em meu criado-mudo.

Era hora de recomeçar. E para isso, eu precisaria criar uma conta em algum site de relacionamento para o meu pai.

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