Surpresa

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— Ai, ela é muito linda. — Os olhos reluzentes de Cadú admiraram Charlote, ela o olhou também, uma ruga entre as sobrancelhas quase inexistentes. Tinha os mesmos olhos verdes do pai, da minha mãe...

— Ei, não, não beije — Martha alertou meu amigo quando ele inclinou o rosto para beijar a bochecha de esquilo de Charlote, então Cadú cheirou apenas a mãozinha gordinha da minha sobrinha.

Eu queria ir embora. Estava preocupada que Miranda aparecesse com o namorado. Ela estava em Gabriel Alencar há três dias, mimando Charlote e babando por ela. Mas Cadú havia insistido que queria ver a filhinha de Martha, de novo. Então fomos. Já estava ficando de noite e olhei meu relógio no pulso, preocupada.

Virei meu rosto para o lado e Martha tava me encarando, analisando tudo em mim. Fitei ela e dei de ombros. Ela sorriu, sem graça e olhou sua cria, passando a mão na cabeça dela com penugens loiras. Estava se recuperando bem. Lívia, que eu passei a olhar com outros olhos desde quarta, estava mimando a filha e a neta. Desde que chegara ali, trazera sucos e lanchinhos, ajeitado o travesseiro e colocado uma coberta na filha. Charlote não saía de seu colo também. Ia crescer estragada, porque não saía dos colos alheios. Tudo mundo queria um pedacinho dela. Eu ficava apenas intrigada. Não tive coragem de pegá-la, era pequena e molenga, seu pescoço mole caindo para trás.

— Vamos? — chamei, tocando o ombro de Cadú. Ele assentiu, se levantando. Martha e ele fizeram uma troca de olhares cúmplices e eu semicerrei os olhos para os dois.

Cheirei a mão quentinha da minha sobrinha, sentindo seu cheirinho de bebê e aquiesci para a Martha, saindo. Ela acenou, se levantando.

— Quero um copo d'água — meu amigo falou, indo em direção à cozinha, o acompanhei, revirando os olhos. Queria ir para casa e entrar na minha fossa. Será que seria impossível eu ter um tempo para sofrer em paz?

— SURPRESA!!! — Levei um susto com o grito em uníssono de várias pessoas reunidas em torno de um bolo marrom. Olhei para o sorriso satisfeito que Cadú dava para as pessoas ali reunidas. Martha já vinha atrás de mim com Charlote nos braços.

Eu nem me lembrava que aquele dia era a data do meu aniversário. Todos estavam tão preocupados e ocupados com Charlote e eu estava trancada no quarto, ora estudando, ora fumando, ora sofrendo no banheiro. Fiquei realmente impressionada que tivessem feito uma festa surpresa para mim, que esquecera o próprio aniversário.

— Parabéns, Alexia — meu pai falou, um sorriso sem mostrar os dentes, as suas mãos em meus ombros. Nos abraçamos, meio sem jeito. Depois que ele se afastou, todos vieram me cumprimentar. Dando-me beijos e abraços desengonçados. Se tinha algo que eu não sabia fazer era abraçar pessoas.

Tinha alguns primos de Cadú. Suzana e a mãe. Umas primas que eu não falava muito e que ficavam dando risadinhas irritantes. A cozinha era espaçosa, mas nem tanto. Depois que eu soprei as velas e fiz um desejo, esse me envergonhou, cortamos o bolo e as pessoas se dispersaram. Pegaram os doces e salgados na mesa e seguiram cada uma pro seu canto. Tiramos algumas fotos e eu olhei irritada para Carlos Eduardo novamente. Eu estava com o cabelo oleoso e sem forma, uma calça de tactel cinza que as pessoas usavam para treinar, Havaianas e uma blusa de manga cumprida. Aquele dia estava meio frio. Mesmo assim tirei as fotos e depois comi apenas os salgados e beijinhos.

Quando a reunião acabou, ajudei a limpar a sujeira, mesmo que todos brigassem comigo dizendo que eu era a aniversariante ali. Levei alguns dos salgados e doces que sobraram para casa. Do bolo nada restou, todos levaram uma fatia para alguém que ficara em casa. Ganhei presentes, mas os coloquei numa sacola e os abriria em casa. Agradeci muito por Miranda não ter aparecido e me perguntei se ela não teria ido embora naquele 22 de agosto, justamente no meu aniversário. Então do agradecimento, migrei para a decepção. Eu me sentia uma contradição ambulante quando se tratava dela.

Joguei a sacola pesada em minha cama e fui pro banheiro, já arrancando a roupa.

— Ah, não! Eu quero ver o que você ganhou, depois você toma banho — Cadú guinchou, já tirando os embrulhos da sacola e espalhando-os na cama.

Olhei meu amigo com os cachos amassados por um boné. Os rosto totalmente curado, como se nunca houvesse sido espancado pelo pai por ser quem era. Vivia com os avós, Arnaldo fora irredutível em sua decisão. Luíza ainda visitava o filho, seu corpo frágil e a pele branca demais, parecendo um passarinho assustado.

— Tá certo! — me rendi, enrolando uma toalha no corpo. — E depois você vai embora.

— Que isso? — Colocou a mão no coração, fingindo estar magoado. Sorri para ele, me sentando.

Eu ganhei um par de meias (revirando os olhos ao abrir), um relógio preto com pulseira de couro da mesma cor, esse eu já fui colocando no pulso, ganhei um quite com três calcinhas de renda, uma preta, outra rosa e uma vermelha. Fiquei corada ao notar como eram pequenas, de fio dental! Ganhei também um par de brincos, uma corrente, um sabonete liquido francês (desconfiava que fosse de Suzana), ganhei uma camiseta preta com a estampa do álbum AM do Arctic Monkeys ( essa foi do Cadú). Uma sapatilha dourada que eu nunca usaria, uma cerveja cara da Alemanha (acho que para simbolizar os 18 anos). Tinha também um kit de maquiagem dentro de uma necessaire, eu o usaria para treinar minha habilidade em maquiagem pelos tutoriais no YouTube. E por último tinha um cartão da Miranda. Toquei o envelope e senti algo dentro, parecia um anel. Cadú desviou sua atenção da calcinha que ele esticava com os dedos e me olhou, reparando no envelope em minhas mãos.

Depois que guardamos tudo em seus devidos lugares, e Eduardo cansou de insistir para eu abrir o envelope e finalmente foi embora, fumei dois cigarros no banheiro e tomei meu banho. Quando voltei ao quarto, o envelope me olhava do meu criado-mudo. Eu o peguei, sentindo a textura do papel pesado e então o guardei junto com o papel dobrado que Miranda havia me entregado quatro meses atrás. Eu estava com medo. Medo que ela conseguisse se entranhar ainda mais em mim, me consumisse tanto a ponto de um dia eu nem saber quem eu era.

Demorei muito pra conseguir pegar no sono naquela noite. E quando eu finalmente consegui dormir, sonhei com ela.

Miranda estava com roupas pesadas, de frio e tudo ao seu redor estava branco, reparei que era neve. Eu estava me tremendo, fumaça saía da minha boca quando eu respirava, mas a segui. Seus cabelos estavam na cintura, o loiro ainda mais brilhante. Estiquei minha mão para poder tocá-los, mas Miranda era rápida demais. Não importava o quanto eu corresse, nunca a alcançava. Sua risada à minha frente, o cabelo como fios de ouro quase chegando a encostar em meus dedos, mas nunca tocando.

Acordei com meu corpo todo arrepiado. A janela estava aberta e estava chovendo dentro do quarto. Eu havia me mexido tanto que derrubara a coberta no chão. Levantei e estremeci ao tocar com o peito do pé o chão gelado. Fechei a janela e peguei o tapete do banheiro, colocando na parte que a chuva tinha molhado. Peguei meu edredom do chão e me embrulhei. Vi o dia clarear naquele domingo chuvoso. Parecia que ele estava refletindo a minha alma, tornando o meu humor visível a todos. Olhei o guarda roupa, então me levantei e abri sua porta, pegando o livro que ficava no fundo. Coração de Tinta. Era da minha mãe e eu o tinha lido mil vezes, estava sujo de comida e cheio de orelhas nas folhas

Dentro do livro grosso estavam o papel branco que ela me dera mais o envelope que ganhei no dia anterior. Respirei fundo, me preparando para abrir.

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