Frustração #26

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Depois da minha corrida insana, eu peguei um ônibus e fui parar em Gabriel Alencar. Minha antiga cidade ficava a uns 100 quilômetros de distância de onde eu estudava.

Me sentei no ônibus e senti meus pés em carne viva dentro dos sapatos finos. Encostei minha cabeça na janela, vendo a cidade passar diante dos meus olhos secos. Eu nem conseguia raciocinar direito, apareciam imagens distorcidas dentro da minha cabeça. Eu me lembrava de Cadú me aconselhando, dizendo que era loucura aquilo, que não era normal sofrer tanto por alguém. Principalmente alguém que eu nem havia tido nada considerável. Me lembrei de ter parado de desabafar com ele sobre ela. E então vieram os cigarros, a cafeína e a vodca em dias difíceis e noites longas. Me lembrei de todos em casa preocupados com André, com a padaria enquanto eu afundava em um poço de abandono. Era como se eu sentisse o abandono da minha mãe somado ao de Miranda. Eu me tornei duas personalidades dentro de uma pessoa. De dia eu ajudava e era compreensiva, estudava e limpava a casa mais meu pai, ajudei a reformar a casa de Martha. À noite eu me afundava na depressão, colocava uma cadeira diante da janela aberta e fumava, olhando a cidade com luzes amarelas.

Suspirei, colocando a mão na cabeça e vi uma garota loura andando de skate na pista. Os cabelos curtos como os dela foram em 2015. O ônibus passou pela menina, o corpo inclinado e aerodinâmico, os braços para trás, unidos. Acabei me lembrando dela saltando de lugares altíssimos na Cachoeira das Pedras, lugares em que eu nunca tivera coragem de saltar. Dela lutando contra meu amigo de infância e vencendo-o. Dela resgatando Adolfo. As lembranças giravam em um redemoinho e eu nem conseguia captar a mensagem que a minha cabeça tentava me transmitir. Eram coisas boas e ruins somadas, um turbilhão de informações. Não lembro em que momento acabei dormindo, mas acordei com o cobrador balançando meu ombro. Paguei a passagem e desci, me sentindo desnorteada.

Eu tinha deixado muita coisa em Gabriel Alencar. Coisas físicas e coisas figuradas. Tudo largado ao longo do caminho. Eu senti uma nostalgia enquanto andava pela rua ensolarada a caminho da minha casa/padaria. As pessoas reunidas nas calçadas, os meninos dividindo a bicicleta, meninas dando risinhos...

— Alex? — virei para o lado e vi André com uma bebê no carrinho. — Tá tudo bem? — perguntou, abaixando o rosto e apertando os olhos na minha direção. Estava diferente, uma barba castanha cobria seu maxilar e ele havia começado a usar óculos ao invés das lentes que nunca tirava. Ele estava sexy, percebi que meu irmão era bonito. Fitei a menina no carrinho. Os cabelos castanhos e cheios, olhos brilhantes e boca babando.

— Tá tudo bem — me lembrei de responder, coçando a cabeça. — Eu só...

— Vamos, estava levando a Charlotte para visitar o vovô — ele se abaixou, limpando a boca da filha. — Né, Tê? — murmurou em voz infantil.

— Tê? — indaguei.

— Estamos testando apelidos para ela. — Ele passou a empurrar o carrinho e eu o segui. — Qual apelido você acha que combina com ela: Charlie, Tê, Lotie, Char...?

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