Quatro meses depois

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Estávamos todos no hospital. Minha sobrinha iria nascer naquela madrugada de agosto. Charlote, seria seu nome. Escolhido por Martha e André.

A vida na minha casa havia mudado bastante. André vivia na casa de Martha, praticamente vendo a barriga dela crescer com os próprios olhos. O quarto de meu irmão estava cheio de fraldas do chá de bebê que fizemos. A cidade inteira aparecera. Aos olhos dos moradores de Gabriel Alencar, André e Martha estavam juntos. Eu não sei quando a mentira se tornou verdade, mas de repente eles realmente estavam juntos. Passeando nos parques, ele tocando sua barriga, abraçando-a. Ela estava mais linda do que já era. Seus olhos cor de mel brilhavam, seus cabelos castanhos e compridos escorriam brilhantes pelas costas. Augusto se tornou um ótimo sogro e saía com meu irmão quando não estava no posto policial. Bebiam cerveja juntos e conversavam sobre a vida que iria chegar. Lívia estava exultante. Tricotava sapatinhos para a neta e conversava com todos que era muito nova para ser avó, que seria a tia legal. Meu pai se tornou um vovô babão. Quando via a Martha, ficava falando com o bebê na barriga dela, como se ele realmente pudesse ouví-lo e entendê-lo.

As duas famílias se reuniram e compraram uma casa com dois quartos para o jovem casal. Eu havia ajudado a pintar e decorar. Cadú consertara portas e janelas, Túlio nos surpreendeu fazendo um pequeno jardim na frente e uma horta cheia de temperos e hortaliças. Apesar de a casa já estar quase totalmente mobiliada, Martha passaria o resguardo com a mãe. E André, creio, que iria morar no sofá da família, porque se tornara o pai mais coruja que eu já vira. Não era mais o mesmo menino que dava em cima de todas as garotas da cidade e que nos finais de semana saía para beber mais os colegas e passear em outras cidades.

Eu não conseguia ficar muito perto de Martha. Seus olhos eram muito parecidos com os dela. Toda vez que ela levantava o olhar e eu via seus olhos cor de whisky do mesmo formato dos dela, eu não conseguia aguentar e acabava procurando outra coisa para fazer. Ninguém, além de Cadú, sabia o que tinha havido entre eu e ela. Apenas perceberam que eu me tornara mais taciturna do que já era. Eu dava a desculpa que era porque estava estudando demais para os vestibulares e ENEM. O que era verdade. Eu foquei totalmente minhas energias em estudar. Ficava enfurnada no quarto. Nem trabalhava mais na padaria. Lia, uma mulher que o marido havia se separado e ido embora e tinha uma filha de 5 anos, pegara o meu lugar. Trabalhava mais do que todos lá, pois meu pai andava muito ocupado e André não se concentrava mais direito em seu serviço.

Eu me formaria no final de 2015 na escola técnica. Iria ser técnica em zootecnia. O que não tinha nada a ver comigo. Mas como essa escola oferecia o melhor ensino federal da região, eu e Eduardo estudávamos nela. Eu pelo menos teria uma formação para exercer uma possível profissão que eu nunca quisera.

Eu segui a minha vida. Depois que ela foi embora, eu acordei no outro dia, domingo, levantei, e simplesmente peguei o papel que ela havia me entregado, colocado dentro de um livro e enfiado no fundo do armário, sem abrir. Tomei um longo banho e depois fui no salão de beleza. Eu decidi que não queria mais ter que cuidar de um cabelo tão grande. Cortei em um Chanel tão curto que tive que raspar a nuca. Doei os fios para uma instituição que fazia perucas para crianças com câncer. Eu continuei com a minha vida como se ela nunca tivesse existido.

Olhei para o corredor e André estava andando de um lado para o outro. Isso já tinha quase uma hora. Ele tinha cortado os cabelos castanhos, que antes eram cumpridos, em um corte social, para parecer mais sério, como costumava dizer. Usava um relógio no pulso e tinha tirado aquelas pulseiras feitas por hippies.

— André, você vai acabar abrindo um buraco no chão. Senta, filho — Augusto pediu, tocando com a mão a cadeira ao lado.

— Vou buscar um café então. Quem quer? — perguntou, já olhando a hora em seu relógio e saindo.

— Eu — gritei, levantando o braço.

Era um dos meus vícios. Eu acho que tomava um litro de café por dia. Estava fumando escondido também. Desde que cheguei ao hospital tinha ido duas vezes no banheiro fumar. Passei a mão no cabelo que já estava no ombro, em ondas estranhas, eu o tinha secado com o difusor naquele dia.

André voltou com dois copos descartáveis pequenos. Peguei um café e meu pai o outro. Olhei na direção dele, vendo seus olhos castanho-escuros iguais aos meus. Ele me olhou também, mostrando um sorriso sem dentes.

Uma enfermeira chegou duas horas depois, o Sol já estava despontando no céu, avisou que Charlote nascera. André saiu do buraco que tinha aberto no piso, segurando os dois braços da enfermeira.

— Ela tá bem? Como ela é? Posso vê-la? E minha mulher? — Sacudiu os braços da senhora. — Responde! — ordenou exaltado.

— Primeiro, calma, senhor. Ela e a bebê estão bem e já foram levadas pra uma ala onde ficarão hoje.

Depois de um tempo, fomos ver Martha e Charlote. Essa, era apenas uma cabeça rosada saindo de um cobertor branco. Martha parecia acabada, como se tivesse sido atropelada. Apesar de ter apenas dezesseis anos, o parto foi normal.

Quando saí do quarto que Charlotte estava mais sua mãe eu levei um susto. Senti que saí da Terra e voltei. Meu coração se acelerando, minhas mãos suadas começando a tremer. Eu não estava sentindo as pernas direito, tinha a boca seca. Eu a olhei, assustada. Ela estava ainda mais linda. Os cabelos já alcançavam os seios, usava uma blusa branca folgada com uma calça jeans preta colada. Os olhos estavam iluminados pelas luzes fluorescente s, cada um de uma cor, as bochechas coradas. Ela me olhou, inexpressiva. Notei que alguém segurava sua mão. Um homem negro de cabelos escuros e barba cerrada. Ele me olhou também ao perceber que ela parara e ficamos nos encarando. Ela pareceu se recuperar rapidamente, falando algo a ele que assentiu e me olhou, estendendo a mão direita. Eu olhei a palma e a apertei, sentindo o contato quente de seus dedos nos meus. Não conseguia tirar os meus olhos dela e ela parecia que não conseguia colocar os seus olhos em mim. Olhava chão, teto, porta, menos o meu rosto.

Eles passaram por mim, indo em direção ao quarto que estava a nossa família. Eu fiquei ali parada no corredor como uma idiota. Dei alguns tapas em meu rosto, tentando me fazer agir, sair dali. Meu pai me encontrou encostada na parede fria meia hora depois.

— Vamos? — chamou, tocando em meu ombro. Assenti para ele e o segui. Entramos no carro e seguimos para casa. A padaria estava aberta com Lia atendendo e recebendo os pagamentos. Meu pai se encaminhou pra ela e eu subi pro primeiro andar. Eu queria apenas tomar um banho longo e quente. Não queria pensar. Queria sumir, esquecê-la para sempre. Fumei a carteira inteira de cigarros, e depois tomei banho, só saindo debaixo da água quando minha pele começou a arder.

Naquele dia, ela foi me ver.

Naquele dia, ela foi me ver

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