Novo Morador

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Naquele dia nem eu nem Cadú fomos à escola

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Naquele dia nem eu nem Cadú fomos à escola. Tentei não ficar encarando ele fixamente, mas me pegava observando os cortes e hematomas em seu rosto a cada minuto. Meu pai tinha lavado a roupa dele e tirado as manchas de sangue. Carlos pegou as peças de roupa e foi em direção ao meu quarto. Depois de um tempo, imaginei que ele tivesse terminado de se trocar e entrei.

— Meu Deus! — exclamei, tapando boca com a mão. Cadú se virou, assustado, na minha direção, descendo a blusa rapidamente, mas eu já tinha visto.

Havia encontrado ele se analisando no espelho, nódoas roxos cobriam suas costelas e costas. Por isso ele gemia quando se mexia.

— Você precisa me contar o que houve — declarei, decidida. Ele apenas abaixou a cabeça e assentiu.

Nos sentamos, eu na cadeira da escrivaninha e ele na cama. Cadú bagunçou os cachos em seu cabelo, parecendo tomar forças, coragem.

— Quem fez isso, Eduardo? — questionei, agoniada. Ele me espiou, parecendo envergonhado. Então baixou a cabeça, respondendo em um sussurro:

— Meu pai.

Eu tentei conter minha reação, mas me peguei batendo na mesa e me levantando, irada. Cadú também se ergueu, segurando os meus braços.

— Alexia, ele descobriu. Ele sabe agora. Me expulsou de casa. Disse que não sou mais seu filho. Me chamou de aberração da natureza — confidenciou, num jorro, olhando nos meus olhos e apertando meus braços com tanta força a ponto de machucar. Seu rosto destruído aparentava culpa e remorso. Culpa pelo quê?!

— Ele não pode fazer isso — argumentei em um sussurro de volta, incrédula.

— Mas eu também não quero voltar pra lá. Eu não quero viver com um pai que me odeia, que me agrediu! — afirmou, me soltando e se encarando no espelho.

Sua pele morena estava machucada, manchada e marcada. Seu olho nem abria, inchado e roxo, a boca estava inchada e com um corte. Ele me olhou através do reflexo do espelho e eu o encarei também. Então eu exalei o ar devagar de meus pulmões, me acalmando.

— O que quer fazer então?

— Eu não sei — admitiu, voltando a se sentar. — Eu não sei — urrou, mais perdido e socando o colchão.

Cadú ficou a manhã em minha casa. Almoçamos juntos. Meu pai tentou agir normalmente. André mal encarou ele. Parecia preocupado, nervoso. E me perguntei o que meu irmão tinha, parecia tão aéreo.

— Tá uma delícia essa lasanha, seu Vítor — Cadú sorriu e então fez uma careta, levando a mão à boca. Meu pai apenas balançou a cabeça e André, que não parou de mastigar desde que se servira, colocou o prato na pia e saiu apressado.

Encaramos meu irmão bater a porta do seu quarto e eu e meu pai demos de ombros.

— Carlos, pode me contar o que aconteceu? Eu só quero ajudar — seu Vítor voltou a sondar, largando os talheres.

Olhei para meu amigo também, mas ele colocou uma porção de lasanha na boca e mastigou devagar, parecia ganhar tempo, então engoliu, fazendo barulho e olhou na minha direção, seu semblante triste. Eu assenti para ele, como a apoiar que ele contasse.

— Meu pai descobriu que sou gay — Ele atirou as palavras na mesa.

Meu pai ficou com a mesma expressão, nada se alterou em seu rosto ao ouvir o que Cadú disse. Não era novidade para ninguém naquela cidade a opção sexual de Eduardo. Ele ouvia Lady Gaga e dançava Rihanna.

Oh Comon!

— Peraí, ele te espancou desse jeito por que descobriu que você é... homossexual? — De repente meu pai ficou vermelho e bateu na mesa, se levantando, derrubando a cadeira. Eu e Cadú levamos um susto e ficamos de pé também.

— Ele me expulsou de casa — completou.

— Mas ele não pode fazer isso, é seu pai.

— Ele me deserdou, seu Vítor. Estou na rua agora. Um gay deserdado e sem ter para onde ir.

— Sem teto você não vai ficar. Isso eu garanto. Mas vou tirar umas satisfações com o Arnaldo. Como alguém espanca o próprio filho desse jeito? E sua mãe?

— Ela viu tudo, mas não fez nada — respondeu, parecendo envergonhado.

— Como ele descobriu, Cadú? — perguntei, furiosa.

— Alguém mandou uma mensagem anônima pra ele e ele veio falar comigo. Então eu falei pra ele que gostava de garotos mesmo. Ele ficou tentando me fazer admitir que não, gritando que eu não podia ser uma aberração. Eu também gritei de volta e começamos a discutir e ele partiu pra cima...

— Carlos, vai ficar tudo bem. Você não está sozinho nessa. Tem a mim, tem a Alexia — meu pai asseverou e começou a sair em direção as escadas.

— Pai, o que vai fazer? — gritei, correndo atrás dele. Cadú me seguiu, mas parou antes de sair porta à fora.

— Vou resolver isso. Pegar as coisas dele da casa do Arnaldo e conversar sobre essa situação — explicou, já pegando seu carro, ligando e saindo disparado.

— E agora? E se seu pai querer brigar com ele também, Cadú? Eu denuncio ele! — Alertei-o, enquanto subíamos as escadas.

André estava parado em sua porta, parecendo ter ouvido tudo e olhando para meu amigo com atenção agora. Revirei os olhos para ele e segui para a cozinha, deixando Carlos na sala.

Eu tirei a mesa e lavei os pratos. André desceu as escadas e imaginei que estivesse indo ajudar Túlio na padaria. O gato andava livre pela residência desde que meu pai o achara. Não conversamos sobre meu novo animal de estimação com tudo o que houve.

Depois de mais ou menos uma hora, Vítor voltou. Subiu as escadas com uma sacola de lixo preta nas mãos. E depois voltou com mais duas, também cheias. Notei que deveriam ser as coisas de Carlos.

— Você não vai ficar desamparado — meu pai declarou, enquanto colocava as sacolas no chão. — Não vai! — deu mais ênfase. Parecia ter tomado aquela luta para si.

Depois seu Vítor nos contou que quando chegou na casa, Arnaldo e Luíza estavam almoçando como se nada tivesse acontecido. Vítor acabara discutindo com Arnaldo enquanto Luíza esvaziava as coisas de Cadú nas sacolas.

Eu sempre achei a mulher de Arnaldo muito quieta, era carinhosa com o filho e doce. Seu pai era frio e meio rude. Mas não sabia que ela poderia ser tão submissa às atitudes do marido.

Depois meu pai avisou que Cadú poderia colocar suas coisas no quarto de André e saiu em direção à padaria para trabalhar, o andar irritado.

Eu esvaziei uma cômoda que tinha no meu quarto e arrastamos ela pro quarto de André, fazendo o máximo para caber tudo que ele tinha dentro das gavetas. Carlos insistia que não precisava fazer aquilo. Que poderia deixar a cômoda na sala, mas me ajudou a colocar o móvel mesmo assim.

Quando a padaria abriu, eu desci para trabalhar e meu amigo ficou na sala vendo filmes. O gato laranja em seu colo.

MirandaOnde histórias criam vida. Descubra agora