Capítulo 4

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    Ah, os médicos. Por onde eu começo? Eles não me entendem mesmo. Minha mãe é enfermeira, então acho que ela fala a língua deles. Mas os doutores com certeza não sabem como falar comigo.

    Já fui a dúzias de médicos na minha vida, e todos tentam me analisar e me entender. Nenhum pode me consertar. Então, normalmente eu os ignoro e ajo como se fosse retardada. É o que eles pensam que eu sou mesmo. Olho fixo pra parede, sem expressão, e finjo que as perguntas são muito difíceis. De qualquer jeito, é mais ou menos isso que eles esperam que eu faça.

    Quando fiz cinco anos, já era hora de começar a pensar em me matricular em uma escola. Minha mãe me levou a um médico que devia descobrir meu nível de inteligência. Ela empurrou minha cadeira até o consultório, acionou as travas, para a cadeira boa sair andando sozinha e chegou se o cinto de segurança estava afivelado. Quando o cinto se solta - e isso acontece de vez em quando - eu vou escorregando da cadeira tipo um fio de espaguete molhado.

    O especialista era um home bem avantajado. O último botão da camisa estava aberto, e a barriga dele aparecia pelo buraco, por cima do cinto. Que nojo!

    — Eu sou o doutor Paulo Grande — disse, com uma voz cavernosa.

    Fala sério. Que piada pronta.

    — Vamos brincar um pouquinho hoje, tá? Vou te fazer umas perguntas, e aí você vai brincar com aqueles brinquedos ali. Vai ser divertido, não vai?

    Logo vi que aquela hora ia demorar muuuuito pra passar.

    Ele trouxe uma pilha de blocos de madeira bem gastos - eu só rezei pra não serem pintados com tintas de chumbo - e se inclinou. Chegou tão perto de mim que dava pra ver os poros do rosto dele. Arg!

    — Você consegue empilhar estes blocos por ordem de tamanho? — falou bem alto e devagar, achando que eu tinha deficiência auditiva e era muito burra.

    Mas quem era o burro ali? Será que o doutor não sabia que eu não tinha como segurar os blocos? É claro que eu sabia que um era maior do que o outro, nas não ias conseguir empilhar aqueles blocos nem que ele me pagasse! Então só peguei o braço e joguei todos no chão. Os blocos caíram, com aquele som que a madeira faz quando bate em outra. Tentei controlar o riso enquanto o médico juntava todos eles. Quando o homem tentava alcançá-los, respirava com muita dificuldade.

    Em seguida, o doutor Grade segurou umas fichas brilhantes, uma de cada cor.

    — Me avise quando você vir a cor azul, Melody — disse, com um tom que deixava transparecer que ele achava tudo aquilo uma grande perda de tempo.

    Quando o cartão azul apareceu, eu apontei e fiz um barulho:

    — Zuuuu!

    — Maravilhoso! Sensacional! Estupendo! — gritou.

    Pelo jeito que ele me elogiava, parecia que tinha acabado de entrar na faculdade. Eu teria revirado os olhos, se conseguisse fazer isso.

    Aí o médico me mostrou o verde,  eu dei um chute no ar e fiz um barulho, mas minha boca não consegue fazer o som de "v". O homem pareceu decepcionado.

    Ele rabiscou alguma coisa na prancheta, puxou outro jogo de fichas e disse, bem alto:

    — Agora vou te fazer algumas perguntas, Melody. São meio difíceis, mas quero que você se esforce, tá?

    Fiquei só olhando e esperando ele pôr a primeira série de fichas na minha frente.

    — Número um. Qual é diferente dos outros?

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