Capítulo 13

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    — Penny! Nããããão! — gritou a sra. V.

    Arrastando o Peludo, minha irmã tinha fugido pela porta da frente da casa da vizinha e já estava no meio da rampa, de boné de beisebol verde, gritando "Tchau". A Toffee, que tava no nosso quintal, teria tido um troço canino se visse a Penny tentado dar no pé.

    Era um daqueles dias do começo de novembro que os artistas amam. Folhas vermelho-acobreadas. Uma luz do sol forte e dourada. Finzinho de verão. A Penny não tem culpa de querer escapar.

    A sra. V. agarra minha irmã pela cintura e a traz de volta pra dentro.

    — Vou trabalho — diz a Penny, amuada.

    — Hoje não, docinho de coco — responde a sra. V., com firmeza, trancando a porta da frente.

    Minha irmã adora usar chapéu e brincar de fantasias. A mamãe quase nunca compra chapéus caros pra ela, daqueles que as senhoras daqui usam pra ir à igreja no domingo. Mas a Penny... elas traz uns chapéus malucos de palha cheios de laços e fitas.

    Quando a gente tá em casa, a minha irmã fica um tempão na frente do espelho da entrada, usado uns colares de plástico da mamãe que quase batem nos pés dela, uma bolsa em cada braço e um chapéu meio caído de lado na cabeça.

    — Tenho que ir trabalho — diz ela, com uma mão no quadril.

    — Quem foi que ela viu indo pro trabalho vestida desse jeito? — pergunta a mamãe, e todo mundo cai na risada.

    — E olha que ela só tem dois anos! Não vou conseguir sustentá-la quando tiver idade pra fazer compras sozinha — é o que o papai sempre fala.

    Ele tira foto com o celular de cada pode fofa que a minha irmã faz.

    Quando a sra. Valência solta a Penny, ela faz beicinho, joga o Peludo no chão e cruza os braços em cima do peito. Eu dou risada. Queria ter coordenação motora pra ser marrenta.

    — Vem cá, Penny. Produto que você não senta e faz um desenho pra mim? — sugere a sra. V., jogando uma caixa de giz de cera pra ela.

    Esquecendo a marra, a Penny agarra uns gizes e começa a rabiscar por todo o livro de colorir - e pela mesa da nossa vizinha V. também.

    Eu queria poder usar giz de cera. Eu desenharia uma rosa, com um botão vermelho aveludado, um caule verde e folhas verdes meio amareladas saindo dele. Enxergo isso tão claramente dentro da minha cabeça... Mas é óbvio que, quando tento segurar um giz de cera ou um lápis de cor com os meus dedos rígidos, só consigo fazer umas linhas tremidas. Nada que se pareça com uma rosa, nem de longe. Que droga!

    Eu queria fazer esse desenho pra Rose. Os cadernos e a mochila dela são decorados com rosas. Não sei onde a mãe dela consegue encontrar coisas tão legais. O nome da Rose cai muito bem nela: ela é bonita, delicada, alguém que é legal ter por perto. Se tem espinhos como as rosas de verdade, eu nunca notei.

    Enquanto a Penny se distrai com os gizes de cera, a sra. V. abre a correspondência. Depois de conferir o conteúdo de vários envelopes, ela dá um suspiro de surpresa.

    — Adivinha, garotas! Eu ganhei com concurso!

    Olho para ela, interessada. A Penny continua a rabiscar, ignorando nós duas.

    — Eu entrei num concurso de artigos de uma livraria no shopping — explica ela. — Era para escrever sobre por que os peixes são tão importantes para o ecossistema do mundo.

    Eu aponto comida no meu painel e dou um sorrisinho.

    — Não, boba! — ela estende o braço e me faz cócegas. — Escrevi sobre os oceanos e o equilíbrio da natureza. Pra falar a verdade, nem lembro mais o que eu escrevi. Mas ganhei o primeiro prêmio: um passeio pra seis pessoas naquele aquário novo lá do centro. Com todas as despesas pagas. Sensacional!

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