Capítulo 9

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    Quando eu fiz oito anos, tudo mudou.

    Eu sabia que a mamãe ia ter um bebê antes mesmo de ela saber. O cheiro dela estava diferente, tipo de sabonete novo. A pele tava mais macia e quente.

    A testa dela estava toda suada.

    Uma manhã, ela me levantou da cama e quase me deixou cair de volta no colchão.

    — Ufa! Você tá ficando muito pesada, Melody. Vou ter que começar a fazer levantamento de peso!

    Eu não achei que tinha engordado. A mamãe é que estava diferente. Ela sentou na cadeira do lado da minha cama por alguns minutos e correu de repente pro banheiro. Ouvi que ela estava vomitando lá dentro. Voltou alguns minutos depois, toda pálida. Com hálito de enxaguante bucal.

    — Acho que comi algo estragado —murmurou, enquanto se vestia.

    Mas eu acho que ela já sabia. Aposto que tava com medo.

    Quando finalmente entendeu o que estava acontecendo, sentou comigo para dar a notícia.

    — Tenho uma coisa maravilhosa pra te contar, Melody.

    Me esforcei pra fazer cara de curiosidade.

    — Você vai ganhar uma irmãzinha ou um irmãozinho logo, logo.

    Eu sorri e fiz minha melhor cara de surpresa e animação. Estiquei os braços e dei um abraço nela. Pus a mão na barriga da minha mãe e apontei pra mim. Ela sabia o que eu queria dizer.

    E olhou bem no fundo dos meus olhos.

    — Vamos rezar pra que esse bebê seja gordinho e saudável. Você sabe que a gente te ama, Melody, do jeitinho que você é. Mas esperamos que essa criança não precise enfrentar os desafios que você enfrenta.

    Eu também.

    A mamãe pediu pro papai se encarregar de me levantar a partir daquele momento. E, apesar de nunca mais ter tocado no assunto na minha frente, eu sabia que ela estava preocupada. Ela engolia uns comprimidos verdes gigantes de vitamina e comia um monte de laranjas e maçãs. Toda hora tocava na barriga protuberante e murmurava uma oração. Dava pra ver que o papai também estava com medo, mas ele demonstrava preocupação fazendo pequenos gestos engraçados. Tipo trazer pilhas de íris roxas pra mamãe - essa é a flor preferida dela - ou fazer litros e mais litros de refresco de uva e grandes pratos dessa fruta. Não sei por que a minha mãe ficava com desejo de coisas roxas.

    Em vez de assistir a horas e mais horas de documentário na TV a cabo, eu ficava no meu quarto olhando pra tela vazia - só pensando, em silêncio.

    Sabia que um bebê novinho tomava tempo. E também sabia que eu tomava muito tempo. Como é que os meus pais iam dar conta de nós dois?

    Foi aí que um pensamento terrível surgiu na minha cabeça. E se eles decidissem aceitar a sugestão do doutor Paulo Grande? E não tinha jeito de eu fazer aquele pensamento ir embora.

    Um sábado à tarde, alguns meses antes de o bebê nascer, eu estava enrolada no sofá, cochilando. A mamãe tinha colocado umas almofadas ao meu redor pra eu não cair. A Toffee dormia ali por perto, e a estação de jazz preferida do meu pai ficava uma musiquinha com saxofone que dava muito sino. Os dois estavam sentados no sofá menor, conversando baixinho. Tenho certeza que eles acharam que eu tava dormindo.

    — E se? — perguntou a mamãe, com um tom tenso.

    — Isso não vai acontecer. As chances são tão pequenas, meu bem —respondeu o papai.

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