Capítulo 10

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    Todo dia quando acorda, a Penny pede o Peludo, um bicho de pelúcia macio que deve ser um macaco, ou quem sabe um esquilo. Tá tão detonado que ninguém mais sabe que bicho ele é. Minha irmã o arrasta para todo canto.

    — Peludo! — grita ela, quando o brinquedo fica enrolado no cobertor. — Peludo! — ela berra, mesmo se o bicho estiver bem do seu lado.

    É claro que, quando a Penny fala, fica parecendo "uu-do". E o meu pai morre de rir.

    De manhã, quando ouço passos do outro lado da porta, me dá vontade de sorrir. Passos grandes e passos pequeninos. A mamãe e a Penny vêm chegando. E o Peludo também, claro. Às vezes, quando passo a noite inteira na mesma posição, meus braços e minhas pernas ser enrijecem, os meus dedos dormiram. Aí, a porta do meu quarto se abre (o papai nunca dá jeito de acabar com aquele rangido).

    A mamãe passa o dedo na minha bochecha. Vai ver que é pra chegar se eu ainda tô respirando. Tô sim. Abro os olhos. Eu queria poder dizer Bom dia mas só dou um sorriso. Ela me levanta e me dá um abraço, mas raramente senta na cadeira de balanço, como fazia antigamente. Vai logo me levando pro banheiro, porque eu sempre tenho muita vontade de ir quando acordo.

    A Penny anda atrás da gente, usando um enorme chapéu vermelho e branco, igualzinho ao do Gatola da Cartola - essa menina é completamente obcecada por chapéus — e sempre segurando o Peludo. A Toffee nunca fica muito longe. Ela deixa a Penny coloca chapéus nela e às vezes aguenta os abraços da minha irmã: tem horas que eles estão mais pra estrangulamento. Eu já ganhei uns desses! Minha cachorra late pra avisar os meus pais quando a bebê chega muito perto das tomadas ou da porta da frente.

    O banheiro de casa é pintado de azul-piscina. E grande o suficiente pra caber a Penny, a Toffee, eu e a mamãe — e a minha cadeira de rodas — sem virar um aperto. É bom mesmo, porque a gente fica um tempão lá dentro. Eu e a Penny fazemos muita bagunça. Já é ruim alguém ter que me levar ao banheiro, mas fraldas? Eca!

    Os médicos disseram que seria impossível, mas quando fiz três anos, a mamãe me ensinou a usar a privada como qualquer outra criança da minha idade. Eu odiava ficar sentada em fraldas sujas, e ela odiava ter que trocá-las. Aí eu dei um jeito de avisar quando preciso ir ao banheiro, e ela me leva.

    Às vezes, a gente conversa sem precisar de palavras. Eu aponto pró teto e, de algum jeito, a mamãe consegue adivinhar se eu tô falando do ventilador, da Lua ou daquele ponto escuro onde tinha uma goteira e entrou água na última tempestade. Ela consegue perceber quando eu estou triste e sente quando eu preciso de um abraço. Faz massagem nas minhas costas e me ajuda a relaxar quando eu tô tensa e chateada. Tem dias que ela conta piadas sujas, quando o papai não tá ouvindo, e nós duas caímos na risada.

    Teve uma manhã que ela estava me arrumando pra escola, e eu apontei para a barriga dela, depois cobri meus olhos, tipo dizendo que era difícil de olhar. Foi logo depois que a Penny nasceu, e a mamãe ainda tinha uma  barriga  considerável.

    — Você tá me chamando de gorda? — perguntou ela, se fingindo de ofendida.

    Eu dei risada e disse "ãh", que é mais perto que eu consigo chegar de um sim.

    — Retira o que você disse! — falou a minha mãe, fazendo cócegas na sola dos meus pés.

    Mas eu só estiquei os braços, tipo fazendo um grande círculo, e morri de rir. Enorme! Gigante! Do tamanho de um elefante! Dava pra perceber que ela sabia que ela sabia o que eu tava pensando.

    Nós duas rolamos de rir e aí ela me deu um abraço bem apertado. Eu só queria poder dizer que amo a minha mãe.

    Ela sabe quando eu estou com fome ou sede, e quando preciso tomar um copo de leite ou só de água. Sabe distinguir quando eu tô doente de verdade ou só fingindo. Porque tem dias que eu finjo mesmo que não me sinto bem só pra ficar em casa. Ela sabe medir a minha temperatura colocando a mão na minha testa. E usa o termômetro só para provar que estava certa.

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