Estou cada vez mais craque na Elvira é, com isso, meu dia a dia na escola esse mês foi quase agradável. Quase. Posso conversar com o Connor sobre um programa de TV que passou na noite anterior ou dizer pra Jéssica que curti os sapatos novos dela.
Tem nevado — mas só uns floquinhos — quase todos os dias. Uma tarde, no fim de janeiro eu digitei:
— Espero que caia uma nevasca: sem aula.
Todo mundo concordou. Pela primeira vez na vida, eu falei pela classe toda.
Posso responder às perguntas dos professores muito melhor com a Elvira me ajudando. Em vez de eles me darem notas "de mentirinha", porque não têm certeza se eu sabia no meu histórico, de acordo com as respostas que eu mesma dei. Impressas e tudo! É a pro vez que isso acontece.
Mas o pessoal da turma H-5 ainda fica isolado na hora do intervalo. Tem feito muito frio pra gente ficar no pátio, então sentamos num canto lá no fundo da cantina — que é superaquecida — até chegar a hora de voltar pra aula. Nenhuma das meninas vem fofocar comigo, contar alguma bobagem que um garoto qualquer disse. Ninguém promete que vai me ligar depois da aula. Ninguém me convida pra festas de aniversário ou pra dormir na sua casa. Nem a Rose.
Claro, às vezes ela vem conversar comigo por uns dois minutinhos. Mas, assim que a Janice ou a Paula chamam pra ver uma foto no celular, a Rose diz "Já volto!" e foge. Parece que ela fica feliz por ter um motivo pra parar de falar comigo.
Eu só dou uma sorriso, rezando pra não babar, e finjo que não percebi. Depois de alguns minutos de fingimento, aperto o botão da frase "Voltar pra H-5", e a Catherine empurra a minha cadeira pelo corredor.
Uma tarde, lá pelo fim de janeiro, o sr. Dimming fez um anúncio, com aquela voz de quem acabou de mastigar uma torrada seca:
— Em vez da nossa aula de sempre, acho que vamos fazer um treinamento pra seleção da equipe que vai participar do campeonato Gênios do Quiz.
A turma inteira fez festa, porque era pra gente ter aula sobre o deserto do Saara. Isso sim é que é torrada seca!
Todos os anos, a nossa escola manda uma equipe pra esse campeonato. As rodadas locais, com equipes da cidade inteira e da região metropolitana, são disputadas num hotel, lá no centro. No ano passado, nossa escola ficou em segundo lugar nas regionais. A diretora ficou tão orgulhosa que pagou pizza pra todo mundo, apesar de a equipe do ter alunos do quarto ao sexto ano.
As equipes que ficam em primeiro lugar nas rodadas estaduais vão pra Washington disputar as nacionais. Até passa na televisão. É um negócio importante.
A Rose puxou a mesa dela mais pra perto da minha cadeira e disse:
— Eu tava na equipe do ano passado.
— Eu sei — digitei. — Você é inteligente.
Ela ficou radiante e chegou ainda mais perto.
— O Connor deve ser escolhido de novo. Ele é meio bagunceiro, mas entende tudo de conhecimentos gerais.
Eu dei uma olhada. O Connor tava se exibindo para os amigos, falando do ano passado.
— Vocês tinham que ver o salão daquele hotel. Lustres dourados! Coisas finas por todo canto! E uns crânios de tudo quanto é escola. Mas a gente acabou com eles!
— É, vocês só não venceram uma equipe, cara — gritou o Rodney, na brincadeira. — Eles é que acabaram contigo!
A sala inteira vaiou.
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Fora De Mim
RandomImagine-se cercado por palavras, palavras que descrevem emoções, sensações e pensamentos. Palavras que precisam de sua voz para ganharem vida, para dar contornos ao mundo exterior. Agora imagine-se sem voz. Esta é a história de Melody, uma garota...