Na segunda-feira depois do feriado de Ação de Graças, a Catherine e eu chegamos na sala de aula de Artes da Linguagem da srta. Gordon alguns minutos antes do sinal tocar. Parece que eu nunca vou descobrir o que a Rose realmente achou do passeio no aquário, porque é óbvio que ela tem coisas mais legais pra fazer.
Tá todo mundo em volta da carteira dela.
— Demais!
— Ameis as cores. Não sabia que tinha verde-limão.
— Cara! Aí sim, hein?
— Quantas músicas você já baixou?
— Qual é o seu e-mail novo?
— E chat?
— Dá pra ver vídeos? Que demais!
— Eu queria que a minha mãe comprasse um notebook desses pra mim.
Chego um pouco mais perto. A Rose tá mostrando o computador novo para os outros.
— Eu posso entrar na internet, pesquisar coisas pra escola e digitar todas as minha lições de casa. Já gravei fotos do meu cachorro e tô nas redes sociais!
Fico só sacudindo a cabeça enquanto a Catherine me leva de volta para o meu lugar de sempre, no fundão. Um notebook. E eu ainda aponto as palavras e as expressões que a sra. V. e a minha mãe colaram com fita adesiva numa bandeja que fica amarrada na minha cadeira de rodas. A Rose tem a internet — acho que isso quer dizer o universo inteiro — na ponta dos dedos.
Fecho os olhos, tentando não chorar, sonhando com o computador perfeito, sob medida pra Melody. Antes de mais nada, ele ia falar! É, sim. Os outros iam ter que me mandar calar a boca! E eu ia ter espaço pra guardar todas as minhas palavras, não só essas mais comuns, que eu tenho coladas no meu painel ridículo.
O meu computador teria teclas grandes, pros meus dedões conseguirem apertar os botões certos, e seria conectado à minha cadeira de rodas. E não precisava ser verde-limão.
Abro os olhos de repente. Tem que existir um negócio desses, certo? Algo parecido? Quem sabe?
Agarro o braço da Catherine e aponto pro computador da Rose. Bato no meu painel: Eu também. Várias vezes.
— Você quer um computador igual ao da Rose? — pergunta a Catherine, dando uma olhada pro notebook dela. — É demais mesmo. Nem eu tenho um computador tão legal.
Eu aponto o não.
— Como assim? Você não quer um computador? — a Catherine parecia confusa.
Eu aprendi a ter paciência com os outros. Aponto de novo pro computador da Rose e depois as palavras eu também. Procuro por todo o meu painel de comunicação, mas a palavra melhor simplesmente não estava lá. Então apontei o mais, depois o bom. Mais bom. Eu parecia uma anta.
— Ah! — diz ela, finalmente. — Você quer um computador melhor do que o da Rose?
Sim! Bato no painel, depois aponto o para e o mim.
— Entendi! — grita a Catherine. — Você quer algo projetado especialmente pra você! Isso é simplesmente genial, Melody!
Eu escrevo D-Ã-R, e a gente dá risada.
Aí a srta. Gordon começa a aula, lembrando todo mundo das datas de entrega dos trabalhos de biografia.
— Amanhã — anuncia ela — a classe vai se reunir na sala de informática pra escolher definitivamente sobre quem cada um vai escrever. E na semana que vem vamos começar a esboçar o texto sobre vocês mesmos. Alguma pergunta?
Connor, o palhaço da turma, levanta a mão e diz:
— Eu descobri que o cara que inventou a descarga de privada se chama Thomas Crapper. Posso escrever sobre ele?
A turma inteira cai na risada. O Rodney riu tanto que a cara dele ficou toda vermelha.
A srta. Gordon faz todo mundo ficar em silêncio.
— Desculpe, Connor. Mas a descarga de privada foi inventada em 1596, por John Harrington. Você quer pesquisar a vida dele?
O Connor perdeu a empolgação.
— Não. Acho que vou ficar com os caras que fundaram o McDonald's mesmo. Já que eu vou passar um tempão pesquisando coisas, acho que hambúrguer é melhor do que privada.
O Rodney tenta começar a rir de novo, mas o olhar fulminante da srta. Gordon faz ele mudar de ideia.
— Sobre quem você vai escrever? — a Catherine me pergunta, enquanto a professora anda pela sala, conversando com os outros sobre os projetos.
Eu penso só por um minuto. Aí bato no painel: S-T-E-P-H-E-N H-A-W-K-O-N-G.
Quero saber como ele consegue fazer as coisas comuns, tipo comer e beber. Afinal de contas, ele é adulto. Será que a mulher dele o leva ao banheiro? Ele tem filhos. Como é que consegue ser pai?
E quero saber sobre os aparelhos que ele usa pra falar, os computadores superlegais que o ajudam a dizer coisas e resolver problemas de Matemática megadifícies, tipo aqueles que ajudam a encontrar buracos negros no espaço.
Pergunto para a Catherine, batendo no meu painel:
— Computador para mim?
— Não faço a menor ideia. Vamos descobrir.
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Fora De Mim
RandomImagine-se cercado por palavras, palavras que descrevem emoções, sensações e pensamentos. Palavras que precisam de sua voz para ganharem vida, para dar contornos ao mundo exterior. Agora imagine-se sem voz. Esta é a história de Melody, uma garota...