Capítulo 14

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    Na segunda-feira depois do feriado de Ação de Graças, a Catherine e eu chegamos na sala de aula de Artes da Linguagem da srta. Gordon alguns minutos antes do sinal tocar. Parece que eu nunca vou descobrir o que a Rose realmente achou do passeio no aquário, porque é óbvio que ela tem coisas mais legais pra fazer.

    Tá todo mundo em volta da carteira dela.

    — Demais!

    — Ameis as cores. Não sabia que tinha verde-limão.

    — Cara! Aí sim, hein?

    — Quantas músicas você já baixou?

    — Qual é o seu e-mail novo?

    — E chat?

    — Dá pra ver vídeos? Que demais!

    — Eu queria que a minha mãe comprasse um notebook desses pra mim.

    Chego um pouco mais perto. A Rose tá mostrando o computador novo para os outros.

    — Eu posso entrar na internet, pesquisar coisas pra escola e digitar todas as minha lições de casa. Já gravei fotos do meu cachorro e tô nas redes sociais!

    Fico só sacudindo a cabeça enquanto a Catherine me leva de volta para o meu lugar de sempre, no fundão. Um notebook. E eu ainda aponto as palavras e as expressões que a sra. V. e a minha mãe colaram com fita adesiva numa bandeja que fica amarrada na minha cadeira de rodas. A Rose tem a internet — acho que isso quer dizer o universo inteiro — na ponta dos dedos.

    Fecho os olhos, tentando não chorar, sonhando com o computador perfeito, sob medida pra Melody. Antes de mais nada, ele ia falar! É, sim. Os outros iam ter que me mandar calar a boca! E eu ia ter espaço pra guardar todas as minhas palavras, não só essas mais comuns, que eu tenho coladas no meu painel ridículo.

    O meu computador teria teclas grandes, pros meus dedões conseguirem apertar os botões certos, e seria conectado à minha cadeira de rodas. E não precisava ser verde-limão.

    Abro os olhos de repente. Tem que existir um negócio desses, certo? Algo parecido? Quem sabe?

    Agarro o braço da Catherine e aponto pro computador da Rose. Bato no meu painel: Eu também. Várias vezes.

    — Você quer um computador igual ao da Rose? — pergunta a Catherine, dando uma olhada pro notebook dela. — É demais mesmo. Nem eu tenho um computador tão legal.

    Eu aponto o não.

    — Como assim? Você não quer um computador? — a Catherine parecia confusa.

    Eu aprendi a ter paciência com os outros. Aponto de novo pro computador da Rose e depois as palavras eu também. Procuro por todo o meu painel de comunicação, mas a palavra melhor simplesmente não estava lá. Então apontei o mais, depois o bom. Mais bom. Eu parecia uma anta.

    — Ah! — diz ela, finalmente. — Você quer um computador melhor do que o da Rose?

    Sim! Bato no painel, depois aponto o para e o mim.

    — Entendi! — grita a Catherine. — Você quer algo projetado especialmente pra você! Isso é simplesmente genial, Melody!

    Eu escrevo D-Ã-R, e a gente dá risada.

    Aí a srta. Gordon começa a aula, lembrando todo mundo das datas de entrega dos trabalhos de biografia.

    — Amanhã — anuncia ela — a classe vai se reunir na sala de informática pra escolher definitivamente sobre quem cada um vai escrever. E na semana que vem vamos começar a esboçar o texto sobre vocês mesmos. Alguma pergunta?

    Connor, o palhaço da turma, levanta a mão e diz:

    — Eu descobri que o cara que inventou a descarga de privada se chama Thomas Crapper. Posso escrever sobre ele?

    A turma inteira cai na risada. O Rodney riu tanto que a cara dele ficou toda vermelha.

    A srta. Gordon faz todo mundo ficar em silêncio.

    — Desculpe, Connor. Mas a descarga de privada foi inventada em 1596, por John Harrington. Você quer pesquisar a vida dele?

    O Connor perdeu a empolgação.

    — Não. Acho que vou ficar com os caras que fundaram o McDonald's mesmo. Já que eu vou passar um tempão pesquisando coisas, acho que hambúrguer é melhor do que privada.

    O Rodney tenta começar a rir de novo, mas o olhar fulminante da srta. Gordon faz ele mudar de ideia.

    — Sobre quem você vai escrever? — a Catherine me pergunta, enquanto a professora anda pela sala, conversando com os outros sobre os projetos.

    Eu penso só por um minuto. Aí bato no painel: S-T-E-P-H-E-N H-A-W-K-O-N-G.

    Quero saber como ele consegue fazer as coisas comuns, tipo comer e beber. Afinal de contas, ele é adulto. Será que a mulher dele o leva ao banheiro? Ele tem filhos. Como é que consegue ser pai?

    E quero saber sobre os aparelhos que ele usa pra falar, os computadores superlegais que o ajudam a dizer coisas e resolver problemas de Matemática megadifícies, tipo aqueles que ajudam a encontrar buracos negros no espaço.

    Pergunto para a Catherine, batendo no meu painel:

    — Computador para mim?

    — Não faço a menor ideia. Vamos descobrir.

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