O dia do campeonato de verdade amanheceu claro e gelado. Fiquei tremendo naquele ar do começo de março com a sra. V. enquanto esperava o ônibus vir me buscar. A minha jaqueta é gostosa. A gente decidiu usar minha cadeira manual hoje, porque a elétrica é meio pesada demais pra mamãe empurrar sozinha, mesmo com aquela rampinha do carro.
— Preparada, Mello Yello? — perguntou a sra. V.
— Com certeza!
— Você não acha que a sua cabeça vai explodir de tanta informação guardada dentro dela?
— Com certeza! — dou um sorriso pra ela.
— Você se sairá bem. Muito bem. Muito mais do que nem. Provavelmente vai arrasar — diz a sra. V.
— Com certeza! — aperto de novo o botão.
— A gente vai estar lá na plateia, torcendo por você.
— E a equipe?
— Tem mais gente na equipe? — diz ela, batendo na própria testa. — Achei que você era uma artista solo!
— E as equipes das outras escolas?
— Não se preocupa. Você é mais inteligente do que todas elas juntas! A gente vai ficar gritando o mais alto que puder, eu, a sua mãe, o seu pai e a Penny.
— Tô bem?
A sra. Valência me olha de cima a baixo e diz:
— Tá parecendo uma estrela da TV! A sua mãe colocou mais uma blusa na mochila, só por precaução. A Catherine sabe o que ela tem que fazer.
Tô feliz que a Catherine vai com a gente, e acho que o sr. Dimming também.
— Repassa o plano comigo.
— A sua mãe vai te buscar na escola, te dar uma coisinha pra comer e te levar pro estúdio de TV quinze minutos antes de os outros competidores chegarem. Eu, a Penny e o seu pai vamos te encontrar lá.
— Os caras da TV não vão pirar quando me virem?
— Eles se prepararam bem pra te receber. Para falar a verdade, talvez alguns repórteres que estiverem por lá venham falar com você.
— Comigo? Por quê?
Não posso nem imaginar por que algum jornalista ia querer conversar com alguém que só consegue falar usando uma máquina. Que chato.
— Você é uma pessoa maravilhosa "reportagem de interesse humano", como eles dizem. Outras pessoas podem se interessar em saber mais sobre você.
— Eles não vão me zoar?
Só de pensar nisso já começo a suar nas mãos.
A sra. V. segura a minha mão e diz:
— Nem um pouco. Eles vão te admirar, com certeza. Você é o Stephen Hawking da Escola de Ensino Fundamental da Rua Spaulding! Eles tem sorte!
— Tomara.
— O seu ônibus chegou. Tenha um dia maravilhoso, Melody. Te vejo à noite.
Dei um jeito de passar o dia sem derramar nada na minha roupa, e fiquei aliviada de ver a mamãe quando o último sinal tocou. Depois de comer macarrão com molho de queijo e purê de maçã rapidinho no carro — que esperta a mamãe, nada de vermelho — pegamos a direção do centro da cidade.
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Fora De Mim
RandomImagine-se cercado por palavras, palavras que descrevem emoções, sensações e pensamentos. Palavras que precisam de sua voz para ganharem vida, para dar contornos ao mundo exterior. Agora imagine-se sem voz. Esta é a história de Melody, uma garota...