Aquelas duas semanas passaram como um furacão.
Apesar de eu ter dado um showzinho de esquisitice na terça-feira do anúncio do resultado, apareci no treino no dia seguinte, como se nada tivesse acontecido. E talvez não tenha acontecido nada mesmo. Eu só estava sendo quem eu sou. Não sei o que os outros acharam. Ninguém disse nada.
Como os outros integrantes — reservas e titulares — fiquei todos os dias depois da aula para treinar, das 13h50 até quase 18h.
Eu ainda não conseguia acreditar que fazia parte da equipe. Ok. Verdade. Tinha a equipe e tinha eu, e a gente tava na mesma sala. Mas não era exatamente uma equipe. Eles até reconheciam que eu acertava a maioria das respostas, mas...
Quando o sr. Dimming nos dava questões de múltipla escolha, eu só tinha que pensar por um instante, depois apertar a letra certa na minha máquina. Mas a preparação também envolvia umas discussões meio bate e volta, e eu não conseguia acrescentar nada ao debate. Quase nunca.
— O som que o porco faz se chama "grunhido" — anunciou o Connor um dia, chupando pirulito.
— Taí uma palavra boa pra Melody — disse a Claire, roubando o pirulito dele.
Eu não podia responder, e ninguém se deu ao trabalho de fazer isso por mim.
— E como se chama a letra que não é maiúscula? — perguntou a Elena.
Ninguém entende direito por que ela tava perguntando isso. E a resposta era muito grande pra eu digitar.
— Minúscula — foi logo respondendo a Amanda. — Como a inteligência de certos alunos do quinto ano.
— Aaah, toma! — disse o Rodney.
Eu já tinha planejado digitar toma! quando ele disse isso, mas fui muito lerda. O grupo já tinha passado pra próxima.
Nossa! Eles falam muito rápido.
— Quem foi a primeira criança a nascer nas colônias americanas? — perguntou Rose, com uma pilha enorme de fichas na mão.
— Virgínia Dare — respondeu a Elena. — Tá bom, minha vez, — ela escolheu umas das suas próprias fichas (organizadas por cor). — Quem foi a primeira miss América?
— Isso aí é ridículo — disse o Connor. — Eles não vão perguntar essas idiotices de menininha.
— Você não sabe a resposta? — perguntou a Claire.
— É claro que eu sei — retrucou o Connor, bufando. — Foi a Margaret Gorman, em 1921. Ela tinha dezesseis anos e devia ser mais bonita do que você! — Ele e o Rodney foram os únicos que deram risada.
Aí o Rodney atacou.
— Eu tenho uma questão nojenta. O que é "pediculose"?
Sem piscar, a Rose respondeu:
— É ficar com o couro cabeludo cheio de piolhos! Eca! Você sabe dessa por experiência própria?
— É claro que não. Eu só tava procurando uma palavra difícil — disse o Rodney. Ele e o Connor não deram risada desta vez.
— Se você quer uma palavra difícil, eu tenho — disse a Amanda. — O que é "hexadactilismo"?
Todo mundo teve que ficar pensando nessa resposta, então deu tempo deu apertar o número 6 e digitar a palavra dedos. Em seguida, apertei o play pra eles ouvirem a minha resposta.
— Boa, Melody — falou a Elena.
— Como é que ela sabe de tudo isso? — sussurrou a Claire no ouvido da Rose.
— Ela é inteligente! — respondeu a Rose, pegando mais fichas.
— Mas ela vai ficar esquisita na TV, você não acha? — continuou a Claire, como se eu não estivesse ouvindo.
Eu tava preparada. Já tinha digitado duas ou três coisinhas na noite anterior. Só precisei apertar um botão.
— Um monte de gente fica esquisita na TV — fiz o computador dizer. — Talvez até você fique, Claire.
— Uuuuu. Tomou, hein? — vaiou o Connor. — Mandou bem, Melody!
Mas esse momento passou tão rápido quanto chegou. A equipe continuou a toda, compartilhando conhecimento e habilidades. No ritmo que eles iam, não tinha jeito de eu entrar na roda. Mas eu ficava ouvindo e memorizando tudo.
— Qual é a única pedra que flutua?
— Pedra-pomes.
— Quantos cromossomos tem um ser humano?
— Quarenta e seis.
— Qual foi o primeiro estado dos EUA a permitir o voto feminino?
— Wyoming.
— Qual é o primeiro nome do sr. Dimming?
— Wallace!
Essa fez todo mundo morrer de rir.
No final de cada treino, o sr. Dimming passava mais um quiz oficial vindo do comitê nacional. Esses testes eram de múltipla escolha, então eu sempre ia bem, mas queria ser igual ao resto da turma.
Uma quinta-feira, no meio do treino, a mãe da Rose mandou entregar pizza pra todo mundo lá na escola.
— A sua mãe é o máximo — disse o Connor.
— Você que é fácil de agradar, Connor — respondeu a Rose, dando risada.
Todo mundo correu pra pegar as fatias quentes e com cheiro apimentado — devia ser de pepperoni — da caixa. Eu tava morrendo de fome, como o resto do grupo, mas continuei ali, sentada.
— Você não quer pizza? — perguntou a Elena. — Vou pegar um pedaço pra você.
Ela nunca falava muita coisa durante o treino, mas fazia um monte de anotações e, normalmente, ia superbem nos testes.
— Sem fome.
Como é que eu ia explicar pra ela que, sem a Catherine ou minha mãe ou a sra. V. pra me ajudar, eu não conseguia comer? Eu tinha que ganhar comida na boca que nem um bebê. E mesmo assim, fazia a maior bagunça.
Quando a minha mãe veio me buscar, perguntou se eu queria parar na pizzaria que tinha no caminho.
Eu só sacudi a cabeça.
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Fora De Mim
RandomImagine-se cercado por palavras, palavras que descrevem emoções, sensações e pensamentos. Palavras que precisam de sua voz para ganharem vida, para dar contornos ao mundo exterior. Agora imagine-se sem voz. Esta é a história de Melody, uma garota...