Capítulo 30

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    O qur aconteceu hoje foi tudo culpa minha. Eu devia ter escutado. A gente devia ter ficado em casa e passado o dia juntos. Mas não fez nada disso. Por minha causa.

    Quando acordei hoje de manhã, tava chovendo. Trovões. Relâmpagos. Vento. Um aguaceiro daqueles que encharcam de verdade e fazem sombrinhas e capas de chuva parecerem piada. Até o ar estava cinza, pesado e espesso, de tanta umidade. Dava pra ouvi-lo batendo minha janela.

    O papai entrou no meu quarto e sentou naquela cadeira onde ele lia pra mim quando eu era pequena. Tava segurando o pulso com todo o cuidado. A mãe teve que pôr o braço dele numa tipoia.

    — Tá complicado lá fora.

    Eu balancei a cabeça.

    — A sua equipe foi derrotada lá em Washington numa das últimas rodadas. Eles ficaram em nono lugar. Ganharam um trofeuzinho de nada.

    Mas eles não eram mais a minha equipe. Tentei fingir que eu não ligava. Pisquei com toda força e fiquei olhando pra parede.

    — Eu poderia ter dado um jeito nisso, Melody. — disse o papai, baixinho, já saindo do meu quarto.

    Com essa, as lágrimas começaram a cair de verdade.

    Eu não queria ir pra aula. Estava de licença, porque deveria ter ido pra Washington. Se eu fosse, ia ter que ficar o dia inteiro sentada lá na sala H-5 com o Willy, a Maria e o Freddy. Não fazia sentido.

    Mas pensei melhor eu mudei de ideia. A peninha que eu tava sentindo de mim mesma se transformou em raiva. E, louca de raiva, decidi que não ia ficar sentada em casa que nem cachorrinho que levou um chute. Eu ia dar as caras e fazer todo mundo ver que ninguém podia me derrubar.

    A mamãe encostou na porta do meu quarto e perguntou:

    — Quer ficar em casa hoje? Ninguém pode falar nada.

    Eu sacudi a cabeça com toda força. o! Não! Não! Chutei as cobertas que estavam no meu pé.

    Ela deu um suspiro.

    — Tá bom, tá bom. Mas o tempo tá bem ruim, e eu acordei com enxaqueca. E, ainda por cima, a Penny tá doente, e a Toffee vomitou no tapete. Tive que colocar a cachorra no porão.

    Minha mãe me deu banho, me vestiu e me levou pro andar de baixo. Normalmente, é o papai que me carrega. Mas, como ele estava fora de combate por causa do braço, a mamãe só soltou um gemido, me pegou no colo e me levou. Ela me colocou na minha cadeira manual — a elétrica não se dá muito bem com chuvas e trovoadas — prendeu o meu antigo painel de comunicação de acrílico — e a Elvira — e sentou pra recuperar o fôlego.

    — Acho que vamos ter tempestades o dia inteiro, querida — ela disse, olhando pra fora e vendo aquela água toda. — Sinto muito, minha Melody, sinto tanto por tudo o que aconteceu.

    Eu estiquei o braço pra cima e toquei a mão dela.

    A chuva continuou caindo.

    Ela fez o meu café da manhã — ovos mexidos e mingau — e me deu na boca, uma colherada por vez. A mamãe ficava colocando a palma da mão na testa. Silenciosa demais. Será que ela tava pensando em quantas vezes me deu comida na boca e quantas vezes ainda teria que dar?

    A Penny apareceu na cozinha de touca e pantufas amarelas em forma de pé de pato, tossindo e espirrando.

    A mãe parou de me dar comida, encontrou um lenço de papel e limpou o nariz da minha irmã. Ela odiou, é claro, e começou a gritar como se estivesse sendo torturada por espiões inimigos. Normalmente, a mamãe brinca com ela, limpa o nariz do Peludo pra Penny encarar numa boa, mas acho que hoje ela não tava a fim de brincadeira.

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