Capítulo I

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Jogado em um canto, jazia um homem que possuía uma importância inimaginável para a historia mundial. Ele estava ali, desacordado e largado no chão igual a um moribundo, podendo ser facilmente confundido com um bêbado vadio. Para piorar sua aparência, o sujeito babava enquanto dormia, e só despertou quando uma cabra o lambeu na face, dando-lhe um belo beijo de “bom dia”.

Ainda grogue pela longa viagem, o Mensageiro abriu os olhos com lentidão. Sua mente estava confusa e perdida, como se tudo à sua frente fosse um emaranhado de formas e cores. E foi neste estado de transe que ele pronunciou suas primeiras palavras, após ser questionado pelo pastor de uma das cabras que o lambeu:

— Tu estás bem? 

— Tu que olhas estas palavras, estejas preparado para enfrentar desafios. Saibas que a ignorância e o medo serão obstáculos para que tenhas desvendada toda a verdade.

Então, como mágica, o Mensageiro despertou de vez.

— Vejo que estás maluco ou bêbado — disse o velho pastor com desconfiança, afastando-se para cuidar de seus afazeres.

Ainda com a cabeça levemente dolorida, sentindo a mesma dor de quando um sono profundo é interrompido por um susto, seus olhos visualizaram a horripilante cena à sua frente: uma cabra lambendo-o. Não, pior: uma cabra fedida lambendo-o.

— Meu Deus! — Levantou-se num sobressalto, tratando de limpar seu rosto e suas vestes, na medida do possível. Quando terminou, deu uma boa espreguiçada e respirou profundamente, sentindo em suas narinas aquele cheiro característico de esterco de cabra, o que lhe trouxe à mente uma imagem tranquilizadora de uma vida fora das cidades. — Ah, o cheiro do campo! Quando se vive por muito tempo na cidade, até se sente falta desse odor campestre.

Então, logo se lembrou do motivo pelo qual estava ali. Assim, focado em sua missão, vestiu seu capuz, saiu daquele lugar sujo e cheio de animais, e pôs-se a caminhar em direção às ruelas da cidade.

Tudo ao seu redor era predominantemente bege. Parecia que, se Deus estava com vontade de introduzir esta cor no mundo, tinha se concentrado em jogar todos os barris de tinta somente naquele lugar. A coloração impregnava não apenas os casebres de barro, mas também a pelagem dos animais, os objetos, as vestimentas, enfim, quase tudo o que os olhos podiam captar naquele ensolarado início de tarde. Vez ou outra era possível ver algumas variações de cores, como marrom ou cinza, mas estas aparentavam estar sujas e empoeiradas.

Para aquele estranho visitante, a semelhança das ruelas, causada pela ausência de coloração diferida, era algo que estava começando a deixá-lo preocupado, pois se sentia preso a um labirinto monocromático repleto de pessoas. Portanto, interrompeu sua caminhada e olhou para os lados, tentando imaginar qual caminho deveria seguir.

— Além de estar perdido, não aguento mais esse cheiro de cocô de cabra! — exclamou para si mesmo, poucos minutos depois de ter apreciado o mesmo cheiro, além de dar graças a Deus pelo fato de não ser um morador do campo.

Aparentemente, ninguém pareceu se importar demais com a presença daquele homem ali parado, o que era bom. O projeto inicial era que o Mensageiro se vestisse de modo a parecer com um cidadão comum do lugar, mas, por problemas alheios à sua vontade, teve que se adaptar à missão com suas roupas costumeiras. E adaptação não era uma qualidade presente no rol das aptidões do Mensageiro.

Usava um longo hábito marrom e grossos cordames amarrados junto à cintura, acompanhado de um capuz tão longo que chegava a atrapalhar um pouco a sua visão. Num lampejo de pensamento, o homem imaginou se o grande capuz não teria sido confeccionado, propositalmente, para uma brincadeira de mau gosto. Afinal, “lá de quando veio” – termo usado para não expor o período temporal de sua origem –, seus colegas costumavam brincar, dizendo que ele tinha uma cabeça grande demais, apesar de também já estar um pouco acima do peso.

As Últimas LembrançasWhere stories live. Discover now