Quando nenhum dos três aguentava mais aquela caminhada, resolveram parar embaixo da sombra para retomar o fôlego. Não estavam exatamente cansados, mas o grande problema era o sol e o calor, que praticamente os impedia de seguir em frente. Como aquela era uma região com menor fluxo de pessoas, não havia comerciante algum pelas redondezas.
— Preciso de um pouco de água... — disse Ângelo, prometendo a si mesmo que iria dar graças a Deus para cada copo de água que tomasse lá no Vaticano.
— Quem não precisa? — perguntou o Segundo.
— Vamos fazer o seguinte: cada um vai para uma direção, tentando conseguir alguém que possa dar um pouco de água. Se um conseguir, retornará a este local para avisar aos outros dois — sugeriu Judas. — Entenderam?
Ambos assentiram com a ideia, o que fez Judas completar:
— Só não te distancies muito daqui, Ângelo. Tu não és dessa região, então tenhas cuidado para não te perderes. — Ângelo entendeu o recado e saiu para um dos lados, à procura de água. O Segundo escolheu o lado oposto e também começou a procurar, restando a Judas o terceiro e último caminho.
Apesar das tentativas, Ângelo não obteve sucesso algum, o que o obrigou a retornar ao ponto de partida, como havia sido combinado entre eles. Alguns poucos minutos depois, o Segundo também já estava de volta, perguntando onde Judas tinha se metido. Ângelo respondeu que não fazia ideia e que havia acabado de chegar.
— Pelo visto tu não encontraste água.
— Água tem, mas não tem quem as doe para nós — disse o Mensageiro.
— É, eu sei bem o que é ter as portas fechadas na cara — respondeu o Segundo. Ângelo percebeu que, neste momento, certa tristeza pareceu atravessar seus olhos numa fração de segundos. — Essas pessoas têm muito pouco e, ao dividir conosco, arriscam ficar sem nada para o amanhã.
— Tem razão. De minha parte, só precisaria de um gole, nada mais.
— Por que tu andas com vestes tão pesadas e escuras? — perguntou o Segundo, reparando nas vestes pretas de Ângelo, ainda manchadas de tinta e bastante fedorentas.
— Adoro sauna. É um prazer muito grande — respondeu Ângelo, dando risada. Percebendo que o Segundo não havia entendido, soltou um pigarro e se explicou melhor. — “Lá de quando eu venho”, essas roupas são adequadas ao clima.
O Segundo apenas ergueu as sobrancelhas, dando a impressão de que agora, sim, havia compreendido. Já estavam novamente olhando ao redor, procurando por Judas, quando de repente perceberam uma movimentação estranha em uma casa próxima. A curiosidade os obrigou a chegar mais perto, passo após passo, percebendo que além das gritarias de felicidade, também havia um clima de oração no ar. Ângelo pôde observar através da porta aberta que todos estavam agradecendo a alguma coisa. Havia um pai de família, dois rapazes mais jovens e algumas meninas, todos bastante gratos com algo que havia acontecido.
— Homem, por que o louvor? — perguntou Ângelo, com o Segundo ao seu lado, parados junto à porta.
— Estranho, minha família estava sofrendo por não saber a doença de minha esposa. Agora pouco passou um homem pedindo um pouco de água, então resolvi dividir o pouco que tínhamos com o pobre sujeito. Quando ele viu que minha esposa estava suando exageradamente, não aguentando ficar dentro nem de suas próprias vestes, perguntou a mim se eu sabia o que ela tinha — disse o homem, que era baixinho e bastante magro. Parecia ser moreno, mas Ângelo não sabia ao certo se era seu tom de pele verdadeiro ou sujeira impregnada. De qualquer maneira, havia um grande sorriso em seu rosto. Meio banguela, mas ainda um sorriso. — Respondi que não, que esperava que Deus tivesse misericórdia e mandasse uma mensagem de revelação sobre a doença de minha esposa, para que assim pudéssemos buscar ajuda para curá-la.
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As Últimas Lembranças
Historical FictionSinopse: Não se engane o leitor se, ao ler os primeiros capítulos, pensar que se trata de um tema meramente religioso. Na verdade, o livro explora uma alternativa para a historia Cristã relacionada com a traição de Judas, ao mesmo tempo em que...