Ao se levantar, ainda por causa do cansaço sentiu sua cabeça arder, e até mesmo os olhos ficaram levemente ofuscados com o movimento brusco. Quando pegou o pedaço de papel jogado ao chão e abriu, percebeu que não havia nada escrito, mas que continha apenas o símbolo do Mestre e do Mensageiro. Achou bem esquisito aquele tipo de mensagem, mas muita coisa em sua vida já não fazia mais sentido. Portanto, se era para pensar, que o fizesse deitado. Não tardou para que novamente suas pálpebras ficassem pesadas demais e para que o sono viesse abençoar seu corpo tão exigido por um estresse emocional inigualável.
O tempo já não existia mais, não tinha qualquer importância. Seu corpo estava tão agradavelmente posicionado naquela cama de campanha, sentindo nem frio, nem calor, que Ângelo se deixou levar por um sono profundo, tão pesado que não o permitia sequer sonhar. Era o lugar perfeito, exatamente onde o Mensageiro queria estar. Um mundo onde não havia mentiras, traições, ambições absurdas ou conflitos, mas somente o bom, puro e merecido descanso.
Ângelo não tinha ideia de quanto tempo havia se passado quando ouviu o seu nome ser chamado por uma voz familiar. Foi um único chamado, alto e claro, mas suficiente para deixar os cabelos de sua nuca em pé. Com a adrenalina a mil, acordou com um sobressalto, sentando-se imediatamente na cama. Seu cachorro permanecia deitado, com as sementes da maçã espalhadas pela caminha, mas mantinha os olhos fechados, como se não tivesse escutado som algum. Este era o sinal de que somente Ângelo tinha ouvido alguém chamar pelo seu nome, ou de que tudo não passava de sua imaginação ou um mero sonho. De qualquer maneira, aquilo o havia assustado de tal forma que perdera totalmente o sono. Observando o bilhete deixado em cima da mesa, Ângelo questionou a si mesmo se Giovanni teria conhecimento daquela mensagem. De acordo com seu velho relógio suspenso na parede, ainda eram 18:00, o que permitiria chegar a tempo no escritório do padre para lhe perguntar a respeito do bilhete. Para tanto, levantou-se da cama, deu dois biscoitos caninos ao seu velho e, lhe dizendo que logo voltaria para casa, saiu em direção à Academia de Ciências.
Como sempre, passou rapidamente pelo salão maior do museu, acelerando o passo quando percebeu os olhares curiosos daqueles que caminhavam por ali. Ângelo, sabe-se lá por que, retribuiu o olhar para todos, observando-os de forma desconfiada e insegura, o que o fez apressar ainda mais sua caminhada. Quando chegou à sala de Giovanni, bateu três vezes na porta, mas ninguém atendeu. Por puro impulso, devido às circunstâncias, tentou abrir a porta por si mesmo, mas estava trancada. Quando estava prestes a ir embora, pôde jurar que escutou um movimento vindo de dentro do escritório, por isso se abaixou silenciosamente, na intenção de tentar enxergar alguma coisa pela fresta inferior da porta.
Não havia qualquer luz artificial iluminando o aposento, apenas uma suave claridade que, provavelmente, vinha de alguma janela cujas cortinas deviam estar abertas. Quando virou os olhos para se levantar, desistindo daquela procura inútil, percebeu de relance uma rápida interrupção da luminosidade, como se alguém tivesse passado muito rápido por ali, dentro do escritório, apesar do silêncio sepulcral. De repente, o próprio corredor onde Ângelo se encontrava, já um pouco escuro pelo pôr do sol, estava começando a lhe dar medo. Havia um ar muito fantasmagórico naquele setor do Vaticano, o que o fez sair rapidamente para a direção do laboratório de Estrôncio, pois talvez ele pudesse lhe ajudar a entender o bilhete. Porém, só o pensamento de que teria que atravessar novamente todo o grande salão do museu o deixou cansado. Tentou pensar em alguma alternativa, e a única que encontrou foi a saída lateral para o jardim, através do lado externo do museu. Optando por este caminho diferente, Ângelo acabou passando ao lado da janela do escritório de Giovanni, observando que o volume da cortina estava mesmo concentrado somente em um lado. Tal fato fazia a claridade atravessar o vidro no estilo martelado, mas este impedia que qualquer pessoa de fora – ou de dentro – enxergasse através de sua superfície o que havia do outro lado.
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As Últimas Lembranças
Historical FictionSinopse: Não se engane o leitor se, ao ler os primeiros capítulos, pensar que se trata de um tema meramente religioso. Na verdade, o livro explora uma alternativa para a historia Cristã relacionada com a traição de Judas, ao mesmo tempo em que...