Capítulo XXX

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Enquanto serviam de apoio ao Segundo, Judas e Ângelo caminharam lentamente para os limites da cidade de Jerusalém, se dirigindo a uma espécie de acampamento composto por algumas tendas. Ângelo sequer podia imaginar que o Segundo morasse em um lugar como aquele, tão afastado de tudo e de todos. Aliás, Ângelo sequer podia imaginar que o Segundo tivesse uma esposa.

Quando se aproximaram das primeiras tendas, Judas proclamou sua chegada com uma espécie de grito, como se estivesse chamando por alguém. Alguns curiosos chegaram a olhar para fora e observar de quem se tratava, mas a única pessoa que saiu de sua tenda para vir recebê-los foi uma mulher de meia idade. Ela era baixa, magra, tinha os cabelos parcialmente esbranquiçados e um rosto bondoso, que imediatamente se fechou quando viu o estado de seu marido.

— O que fizeram a ti, meu esposo? — perguntou a mulher, já com lágrimas embaçando sua visão, tocando com cuidado os cabelos do Segundo. Este se manteve mudo, com o olhar desviado para o chão.

— Prepara o banho para teu marido. É urgente — ordenou Judas com frieza, guiando o Segundo para dentro da tenda. Ângelo imaginou que ela fosse pequena, pelo tamanho que aparentava ter ao ser vista de fora, mas do lado de dentro até que era bastante grande e aconchegante.

Havia uma pequena fogueira na parte de trás da tenda, do lado de fora, mas como o fogo já estava se apagando, a senhora rapidamente acrescentou mais um pouco de lenha para ajudar a aquecer a água para o banho. Quando estava tudo pronto, derramou a água fervente de dentro do vasilhame em uma espécie de bacia, onde um homem conseguiria ficar sentado tranquilamente. Para terminar, misturou água fria na mesma bacia e declarou que trouxessem seu marido.

Enquanto Judas narrava parcialmente o que havia acontecido com o Segundo, sem se ater a detalhes mais perturbadores, a mulher carinhosamente o banhava, deixando as lágrimas caírem pelo seu rosto delicado. A historia contada por Judas omitia alguns fatores que a esposa do Segundo não precisava saber, como as aspirações de seu marido e seus tropeços pela vida.

“Nunca vi tanta maldade”, pensou Ângelo, enquanto permanecia calado em um dos cantos da tenda, deixando Judas tomar conta da situação.

Já havia se passado quase uma hora desde que chegaram, tanto que o Segundo já estava começando a voltar a si, como se tivesse se dado conta de que o pior já havia passado. Com a noite se estendendo pelos céus, Judas e Ângelo se despediram do casal e já estavam caminhando em direção à entrada da tenda quando foram interrompidos por uma promessa:

— Irmãos, acabei pagando pelos meus erros, mas juro, por tudo que é sagrado neste mundo, que aqueles nascidos na Judéia e seus descendentes sofrerão pelo ocorrido — disse o Segundo, encarando-os com o olhar mais sem emoção que Ângelo já vira na vida.

— Meu irmão, pense no que o Mestre diria a você — respondeu o Mensageiro, duvidando de que algum dia o Segundo fosse pensar no que o Mestre lhe diria. Ele estava tão transtornado com o que havia lhe acontecido que sequer poderia pensar nas consequências daquela promessa. Para piorar, ele a levaria consigo por anos a fio, até chegar o momento certo de sua vingança tão marcante.

Após se despedirem e terem retornado a Jerusalém, a lua cheia se tornou a companhia de Judas e Ângelo, que caminhavam sem direção certa, aparentemente entorpecidos com tudo o que haviam presenciado. Não sabiam se estavam simplesmente caminhando ou procurando um lugar para dormir, tamanha quantidade de pensamentos que os invadiam e perturbavam.

— Judas, esse seu silêncio me ensurdece — comentou Ângelo, procurando puxar algum assunto, ao menos para tentar tirar as horríveis imagens recentemente presenciadas. Para seu azar, Judas permaneceu calado, focando o chão poroso enquanto andava.

As Últimas LembrançasWhere stories live. Discover now