As Últimas Lembranças

Capítulo XXVIII

A consequência foi que Ângelo acabou viajando diante dos olhos do arcebispo, e lá estava ele, novamente no mesmo estado de sempre, na antiga Jerusalém, babando e dizendo coisas sem nexo. Demorou alguns minutos para se recuperar e retomar a consciência, percebendo que havia retornado ao mesmo lugar de onde saíram na última viagem. Não tinha a menor noção de que horas eram, tampouco em que período estava. A única certeza que possuía era de que o sol não estava dando trégua a ninguém.

Enquanto caminhava sem destino, Ângelo buscou analisar as vestes dos transeuntes, chegando à conclusão de que eram as mesmas da última viagem. Logo, pelo menos estava no período histórico correto, o que já era reconfortante.

“Talvez o padre Estrôncio tenha deixado os parâmetros das viagens em default. Isso explica como vim parar aqui, mesmo sem uma programação específica.”, pensou Ângelo, que buscava todo tipo de sombra para se proteger do sol. Para seu azar, sequer tivera tempo de buscar suas vestes novas com o padre Westebem, o que o obrigava a caminhar novamente com o mesmo hábito negro e pesado.

No momento em que passou perto de algumas barraquinhas que vendiam frutas, pôde ouvir alguns sussurros vindos dos próprios vendedores, que lhe chamaram a atenção. Disfarçando-se de comprador, Ângelo fingiu observar algumas frutas enquanto ouvia as calúnias e difamações contra o Mestre, o que o deixou bastante entristecido. A vontade era de segurar aqueles sujeitos pela gola das vestes e dizer uma porção de verdades sobre o Mestre, mostrando claramente que eles estavam enganados em suas alegações, mas sabia que nada poderia fazer. Já havia interferido demais, e se meter naquele tipo de briga só iria lhe trazer mais confusões.

Já estava indo embora quando se deu conta de que tudo havia ficado em silêncio ao seu redor. Não havia vozes, vento, barulho de objetos, tampouco barulhos de animais. Na verdade, mesmo estando embaixo do sol forte, Ângelo deixou até mesmo de sentir calor. Também não havia sensação de fome, de cansaço ou de preocupação. Não havia um movimento sequer ao seu redor; parecia que estava cercado de estátuas. Até mesmo um pássaro estava congelado no ar. Mas o mais engraçado era que Ângelo podia visualizar a si mesmo, paralisado à sua frente, fazendo-o concluir que estava fora de seu corpo, em um daqueles momentos em que recebia a visita do Mestre.

“O Mestre está preso, como pode vir me visitar?”, pensou Ângelo, que já estava presenciando aquele fenômeno pela terceira vez. Olhando ao redor, em todos os lugares possíveis, não conseguia enxergar a presença do Mestre, o que o fez ficar preocupado. — Mestre?

— Meu irmão — disse Cristo, apesar de ainda não aparecer para Ângelo.

— Meu Deus, não é possível que eu não consiga vê-lo! — O Mensageiro estava correndo de um lado a outro, procurando pelo Mestre, mas não conseguia vê-lo em lugar algum. Imaginou que estivesse tendo algum tipo de alucinação, mas não conseguia aceitar a possibilidade. Com a angústia lhe atormentando a alma, o desabafo veio em forma de lágrimas. — Mestre, por favor...

— Ângelo, por que a aflição? — perguntou, surgindo ao lado do Mensageiro, que imediatamente se ajoelhou à sua frente para contemplá-lo, ainda com lágrimas nos olhos, mas desta vez com um sorriso largo no rosto.

— Qual é, Velho? Não faz um negócio desses comigo! Sei o que você vai dizer, e até compreendo.

— Levanta-te, meu irmão — disse o Mestre, ajudando Ângelo a se erguer. — Sabes o que vou dizer?

— Você sabe que eu sei. Aquela historia de “não chore por mim, não sofra por mim”. — disse Ângelo, recebendo um sorriso compreensivo. — Na boa, Mestre, isso não resolve muito comigo, não. Está todo mundo preocupado com você.

— Todo mundo?

— Bem, todo mundo não sei. Sei que eu e Judas estamos — respondeu. — Qual é? Eu sei que eles não vão lhe tratá-lo bem... Pô, você poderia fazer uma visita para Judas, não? Ele está penando pra caramba. Precisa de ajuda.