Capítulo XIII

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Lá estava ele, jogado em um canto, próximo a uma parede, babando e resmungando palavras aleatórias que, provavelmente, nenhum dos transeuntes fazia questão de entender. Além do mais, sua própria aparência exótica, para não dizer ridícula, já fazia com que todos se afastassem naturalmente, já que ninguém iria querer se aproximar de um maluco semelhante a um mendigo cheio de baba na cara. 

Como sempre, precisou de alguns minutos para retomar a consciência e se salvar do afogamento em seu próprio lago de saliva.

“Meu Deus... Onde estou?”, pensou, com os olhos ainda um pouco embaçados, mas já percebendo a movimentação de pessoas ao seu redor, andando de um lado para o outro, sem sequer prestar auxílio. “Argh, estou todo babado, credo... Meu Deus! Tinha me esquecido dessa roupa ridícula!”.

Com a visão já em devida ordem, Ângelo se apoiou na parede para se levantar, e então se afastou do canto onde estava, resolvendo ficar sentado em um banco rústico de madeira junto a uma parede, aguardando Judas. Durante uns quinze minutos, que para o Mensageiro aparentaram durar três horas, uma porção de pessoas diferentes passou à sua frente, todas direcionando um olhar repressivo para suas minivestes. Ângelo não tinha culpa se aquela droga de hábito havia encolhido, tampouco se sua fisionomia rechonchuda não agradava os olhares alheios. Se eles não estavam gostando da cena, que simplesmente não olhassem.

Finalmente, para a alegria e ansiedade de Ângelo, Judas vinha caminhando devagar pelo trajeto, demonstrando estar mais nervoso e preocupado do que na noite anterior.

— Judas Iscariotes? — chamou Ângelo, levantando e colocando as mãos na cintura.

Se Judas já aparentava estar perturbado com sua situação particular, a cena que vislumbrou ao olhar para quem o havia chamado o deixou com uma cara ainda pior. Talvez tenha ficado mais alterado com a visão daquela barriga protuberante e das canelas brancas desnudas, mas Ângelo pôde jurar que Judas tentou ao menos disfarçar, ao contrário de todas as outras pessoas do universo.

— Quem... Ah! És tu! O que queres comigo? — perguntou Judas, aproximando-se de Ângelo. Sua expressão perturbada, quase que de um demente, era nítida, mas não faltavam razões para se sentir daquela forma. — Não estás satisfeito com o nosso destino?

— Palavras fortes e egoístas de sua parte, meu amigo. Eu realmente gostaria de lhe dizer que não precisa fazer tal sacrifício, mas lembre-se que escolheu este caminho desde o momento que aceitou ser um discípulo — comentou Ângelo, agora gesticulando para o ar, se sentindo como um sábio. — Por si só, este caminho é de sacrifício. Sempre foi, e todos aqueles que virão depois de você deverão ter essa compreensão. Este é o preço por estar perto do Mestre. Este é o preço...

— Certo, já entendi — interrompeu-o Judas, erguendo uma das mãos. — Não te preocupes comigo, pois não fugirei da minha promessa. Fica tranquilo.

— Puxa, nem nesta época eu consigo ter algum crédito antecipado com as pessoas. Impressionante, não acha? Tudo bem, já estou acostumado — desabafou Ângelo, balançando a cabeça negativamente. — Sabe, meu amigo? As suas palavras refletem certo descrédito em relação a mim. Eu não preciso “representar” ser grande para, de fato, ser grande. Olhe para você... Andando sem destino, igual a um louco! Acha que as pessoas que o veem lhe dão alguma estima? Você não é grande, mas fará algo muito grande, acredite.

— É, farei! A maior traição do mundo! — disse Judas, com desprezo. — Ficarei marcado por algo que meu coração não quis para o meu destino.

— Tem razão... Não sei se eu mesmo conseguiria viver com isso — confessou o Mensageiro. 

Havia muitas pessoas caminhando naquele dia, talvez por causa do belo dia ensolarado. De certo modo, Ângelo se sentia confortável com aquele calor, pois era um contraste muito grande com os corredores frios e sem vida do Vaticano. 

As Últimas LembrançasWhere stories live. Discover now