Capítulo XXIV

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Era uma voz serena, pouco grave, mas que soava como se fosse dotada de sabedoria. Surpresos com a interrupção, tanto Ângelo quanto Sniffer interromperam a encarada mortal para ver quem havia surgido. O Mensageiro não tinha ideia de quem era aquele homem, mas pelas suas roupas parecia se tratar de um arcebispo. Ele era alto, tinha um porte físico muito bom para sua idade aparente, cabelos grisalhos que alternavam entre o cinza escuro e o branco e, também, uma careca se formando na parte da trás da cabeça, mas que já estava começando a se propagar para a parte da frente. No geral, um homem com feições simples e bondosas, sem nada de especial. Parecia ser um sujeito que, se passasse na rua, jamais chamaria a atenção de ninguém.

— É... Esse cara aqui está me incomodando! — disse Ângelo, por impulso, apontando o dedo para a cara de Sniffer enquanto chorava as mágoas para o arcebispo que sequer conhecia.

— Arcebispo Ferdinand, bom dia — cumprimentou Sniffer, que parecia já conhecer aquele sujeito. — Não tenho a intenção de incomodar ninguém, apenas preciso finalizar meu questionário.

Ferdinand, que era de fato um arcebispo, apenas concordou com a cabeça, pedindo para que ambos dessem continuidade ao que estavam fazendo, mas ficou por perto para manter a ordem e garantir que nada saísse do controle.

— Frade Ângelo... — continuou Sniffer, após um pigarro. — Onde o senhor esteve ontem à noite?

— Nos meus aposentos.

— Fazendo o quê?

— Tricô — respondeu Ângelo, com uma seriedade gélida.

— Como é?

— Sim, tricô. Para chinelinhos do cachorrinho da Papisa. — A resposta fez o arcebispo se desmanchar em risos, mas o efeito não foi o mesmo para Sniffer, obviamente.

— O senhor está vendo? Ele está criando obstáculos para as minhas investigações! Provavelmente está escondendo algo!

— Calma, senhores, calma. — disse Ferdinand, gesticulando com as mãos.

— Então, fui pego! — sentenciou Ângelo, no famoso tom teatral que tanto adorava, fazendo com que os dois homens ficassem calados, na expectativa. — Que droga, como o senhor sabia, inspetor?

— O quê? O senhor está mesmo escondendo algo?

— Sim! Sua carteira — respondeu Ângelo, batendo com as mãos sobre os bolsos. — Só não me recordo de onde a coloquei.

De novo, Ângelo havia conseguido fazer o arcebispo dar risada e deixar o investigador ainda mais indignado.

— O senhor viu o desrespeito, arcebispo? Vou denunciar o frade por morar clandestinamente no Vaticano, e também vou expulsá-lo daqui junto com aquele cachorro sarnento dele! — esbravejou Sniffer.

— Olha, inspetor... — começou Ferdinand, tocando no ombro do inspetor como se quisesse passar um pouco de sua calma para ele por osmose. — Ângelo está mal-humorado, perdeu um amigo recentemente. Peço que releve seu estado. Quanto à sua clandestinidade, quem decide se ele sai ou fica sou eu, e decido que ele fica. Ele é um dos nossos colaboradores. É um de nossos hóspedes que veio de uma irmandade muito atuante junto aos mais carentes no Brasil. Portanto, de clandestino ele não tem nada.

Sniffer apenas abaixou a cabeça e aceitou calado, enquanto Ângelo permaneceu boquiaberto com aquela revelação de Ferdinand a respeito dele próprio. Jamais imaginou que fosse tão famoso a ponto de um arcebispo conhecer parte de sua historia.

— Será feito como desejar, reverendo — disse o investigador, com a ira contida. — Perdoe-me, mas devo suspeitar de todos até encontrar o assassino.

As Últimas LembrançasWhere stories live. Discover now