Passaram minutos caminhando sem direção, fazendo com que os outros transeuntes se preocupassem em desviar o caminho. Ângelo aproveitou o tempo de silêncio para se aproximar do apóstolo e passar a caminhar ao seu lado, por mais que ele tivesse repetido que preferia ficar sozinho.
— Como trocaste a roupa? Não percebeste que o sol que nos castiga vai maltratar teu corpo? — disse Judas, pela primeira vez depois de minutos de silêncio, desta vez com um tom de voz mais calmo. Parecia que Ângelo havia conseguido deixá-lo, ao menos, um pouco mais tranquilo. — Olha isto, panos grossos e pesados. Sem contar que são da cor preta. Antes estavas com uma roupa de um jovem adolescente magro, e agora com uma roupa bem mais generosa em volume. Tens panos sobrando em tua casa? E o que são esses tons diferentes respingados no tecido de tuas vestes?
— É... Pois é. — Explicar tudo para Judas a respeito de suas vestes seria um tormento, por isso Ângelo optou por uma piada que tirasse a atenção da roupa. — Não sabia que você era estilista. Valentino Garavani? Donatela Versace?
— O quê...? — perguntou Judas, achando que, de alguma forma, Ângelo estava sendo irônico demais para seu humor. — Homem, cuida da tua vida e deixa a minha desgraça em paz.
— Sua vida, Judas, não está uma desgraça. Na verdade, ela passa por uma crise, mas quem não passa por momentos assim? — continuou Ângelo, ainda caminhando ao lado do apóstolo. Como havia feito a promessa ao Mestre, era óbvio que a última coisa que faria seria abandonar Judas.
— Traíste o Mestre, por acaso?
— Não... — respondeu o Mensageiro, entendendo que Judas se referia ao grande fardo que somente ele estava carregando. — Mas eu estava lá com você, irmão. Será que não podemos considerar que eu também o traí?
— Tu deste sorte.
— Por que acha isso, Judas?
— Se tivesses ido sozinho até eles, jamais iriam negociar contigo. Somente negociaram porque eu estava lá.
Para o azar do Mensageiro, que já estava sentindo a punição do sol sobre suas roupas pretas e pesadas, que faziam seu corpo pinicar por causa do calor, Judas começou a andar mais depressa.
— Ah, mas o que vale é a intenção.
— Se querias mesmo fazer, por que não o fizeste?
— Tentei, mas o Mestre não me escolheu para esta missão. — respondeu Ângelo, tentando demonstrar o quanto aquela missão era importante para Judas, e que ele somente havia sido escolhido por causa de sua fidelidade e caráter. Uma coisa meio controversa, que com certeza fora muito mal interpretada na historia.
— O que fazes aqui, então? Qual a tua missão?
— A primeira missão, confesso, já foi cumprida, mas ainda preciso cumprir uma promessa...
— O que tu queres, então? — perguntou Judas, começando a ficar ofegante pela caminhada. Ângelo, por sua vez, já estava ofegante desde o momento em que deu o primeiro passo para sair daquele beco escuro.
— Sei lá, irmão, pode ser uma Ferrari? Vermelha, de preferência.
Judas o olhou como se ele estivesse falando outra língua, mas não se deu ao trabalho de perguntar do que, diabos, ele estava falando, pois entendeu que se tratava de uma brincadeira só pelo fato de observar a careta de bobo alegre que Ângelo estava fazendo.
— Brincadeira — continuou Ângelo, mantendo o sorriso, mas com menos intensidade. — Sei que a situação não é fácil, mas ter uma boa companhia agora evita que demônios ocupem a sua mente.
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As Últimas Lembranças
Historical FictionSinopse: Não se engane o leitor se, ao ler os primeiros capítulos, pensar que se trata de um tema meramente religioso. Na verdade, o livro explora uma alternativa para a historia Cristã relacionada com a traição de Judas, ao mesmo tempo em que...